Quem é você na fila do karaokê?

Afinal, cantar é dom ou apenas questão de prática?
sexta-feira, 15 de abril de 2016
por Ana Blue
Connan é preparador vocal, arranjador, compositor, pianista, guitarrista, graduando em Fonoaudiologia pela UFF e regente do coral los Pandas D’Acapulco
Connan é preparador vocal, arranjador, compositor, pianista, guitarrista, graduando em Fonoaudiologia pela UFF e regente do coral los Pandas D’Acapulco

Pode-se dizer que o canto é a forma de arte mais democrática do mundo. Erudito ou popular, formal ou informal, arranjado ou improvisado, sua prática pode ser por lazer, ritual, como aperfeiçoamento educacional, profissional, arte pela arte, enfim. O canto é sempre uma companhia disponível. 

Cantar no chuveiro é quase lei: quem nunca? Dentro de casa, todo mundo tem o “dom”. Mas é justamente aí que começa a segregação: o mito de que “fulano nasceu para cantar” inibe o surgimento de muitos outros artistas que estão por aí, escondidos, achando que não têm o tal dom, que não são capazes. Entretanto, segundo os profissionais e especialistas da área, qualquer pessoa — desde que não tenha um problema físico que impeça — é capaz de cantar. Qualquer pessoa. “Isso porque cantar envolve uma série de técnicas que são aprendidas. Cantar é treino”, diz o preparador vocal e professor de canto Connan.

Segundo ele, há quatro áreas de conhecimento que servem de base a voz são o equilíbrio não só pra saúde vocal, como para a performance artística vocal. São elas a biologia (fisiologia, anatomia, biomecânica); a física (presente em fenômenos e processos ligados ao ciclo vibratório das pregas vocais, assim como na ressonância que ocorre no trato vocal); a psicologia (na história de vida, na construção cultural e identidade do indivíduo); e, finalmente, a arte, que tem um valor maior como manifestação da identidade de uma pessoa. É um processo em que internamente você se prepara para o mundo externo.

“No canto, o primeiro contato do aluno é consigo mesmo, com sua própria voz. Perceber que ela tem mais recursos do que ele imagina. A primeira aula, inclusive, é quase uma anamnese. Conheço o aluno, deixo-o falar. Vou percebendo a voz dele, quero saber o porquê dele estar ali. E explico como o trabalho vai ser. Gosto de falar da parte científica, da anatomia, fisiologia, etc. E primeiro passo é a respiração”, explica Connan, acrescentando que a respiração é o ponto zero do canto, é a fonte de energia, e não as pregas vocais, como normalmente as pessoas pensam. As pregas vocais são a fonte sonora, não se deve forçá-las. “De certa forma, cantar é um reaprender a respirar, e o processo de entendimento dessa nova maneira de respirar varia um pouco de pessoa pra pessoa. Alguns terão mais facilidade, outros não, alguns têm uma consciência corporal mais apurada que outros, pela prática de outras atividade, esportes, yoga, pilates, etc”. 

O músico é enfático. Para ele, não existe instinto, nem dom de nascença, nem dedo divino. Cantar é disciplina e prática — e, às vezes, bem mecânica. Você repete o exercício, o torna diário pra que o cérebro “perceba” e isso venha na resposta da parte motora. Você treina, treina, treina, pra que na hora de cantar nem pense nisso. Vem “automático”. “Se eu tivesse que dividir o aprendizado do canto em áreas dentro da voz, diria que a primeira área é a respiração, e depois vem o trabalho muscular, de articulação, ressonância e afinação, trabalhando tudo isso dentro da identidade vocal do aluno. E, a partir dela, expandir a voz dele”, explica o preparador, ressaltando que a questão psicológica também é trabalhada neste aspecto. “O aluno se sente autoconfiante conforme amadurece seu domínio técnico. Estão interligados a mente e o desenvolvimento da técnica, não de forma mágica, mas de forma prática mesmo. Um realimenta o outro. Hoje, a pedagogia vocal, com todo o avanço científico que vem acontecendo nos últimos 40 anos, tem quebrado paradigmas e achismos sobre determinadas técnicas vocais e vem incluindo cantores de diferentes estilos e culturas sem que esses percam suas identidades”. Em outras palavras, viva a democracia artística...

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TAGS: Música | Corais
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