"Que todo friburguense seja parte e sujeito da história de sua cidade”

Historiadora, pesquisadora e professora Vanessa Melnixenco fala de seu livro, “Nova Friburgo - 200 Anos”
quarta-feira, 13 de junho de 2018
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)

Uma mistura de sentimentos tomou conta da historiadora e pesquisadora Vanessa Cristina Melnixenco ao receber a missão de escrever o livro “Nova Friburgo - 200 Anos, da memória do passado ao projeto de futuro” (ed. Novas Direções), em comemoração do bicentenário do município. O resultado, apenas seis meses depois de iniciado o trabalho, é uma obra de alto nível, não apenas pela apurada pesquisa histórica, que trouxe à tona fatos novos e passagens inéditas, mas pelas preciosidades encontradas. Enriquecida ainda pela beleza do projeto editorial e gráfico.

A reprodução de mapas, documentos, pinturas, aquarelas e fotos se constitui em um atrativo à parte, de encher os olhos de leigos e especialistas. Qualquer leitor, de todas as idades, independente de sua formação acadêmica, seja qual for seu nível de escolaridade, há de “embarcar’ na viagem que o livro propõe. Vanessa é historiadora pela Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia e mestre em História Social pela Unirio. Foi bolsista da Fundação Casa de Rui Barbosa e coordenadora de Patrimônio Histórico da Fundação Dom João VI. Divide seu tempo entre o magistério e a pesquisa. É professora da Prefeitura Municipal de Nova Friburgo e historiadora do Nova Friburgo Country Clube. Possui quatro livros publicados.

“Ao percorrer as páginas desta obra, o leitor é levado a uma sensação de viagem no tempo até uma época distante e ao mesmo tempo familiar. Este livro homenageia e mostra como os pioneiros africanos, portugueses, suíços, alemães, além de todos os outros povos que aqui chegaram, construíram essa cidade e o quanto foram capazes de fazer em 200 anos”, escreveu no prefácio o arquiteto e presidente da Fundação Dom João VI, e coordenador geral do projeto, Luiz Fernando Dutra Folly.

Ao ser convidada por ele, num primeiro momento, diante da grandiosidade do projeto, Vanessa ficou receosa. “Afinal, não era qualquer coisa, mas o carro-chefe do bicentenário, a história da criação e evolução urbana da cidade ao longo de 200 anos. Mas, por conhecer o trabalho da Fundação e confiar na capacidade e liderança do Luiz Fernando, acabei abraçando o projeto. Comecei a trabalhar em agosto de 2017 e o livro deveria estar pronto em maio, isto é, eu tinha apenas nove meses de prazo. Ou seja, uma verdadeira gestação, né?! (risos). Daí, mergulhei nas leituras e pesquisas, buscando todo tipo de fonte em livros, instituições, entidades, órgãos públicos, museus. Aliás, a bibliografia é extensa e foi fundamental para o bom resultado dessa pesquisa”, revela.

Essa verdadeira maratona envolveu uma equipe composta por pesquisadores, coordenadores, editores, produtor cultural, revisora, fotógrafos, pintores e o pessoal do Comitê 200 anos, tendo à frente Cristina Bravo, que idealizou o projeto e propôs a parceria à Fundação Dom João VI, prontamente aceita pelo presidente.

“Foi mesmo uma corrida contra o tempo. O ritmo era intenso, mas nem sempre a gente conseguia cumprir o calendário que  havíamos planejado. A pressão era grande mas a noção de compromisso era ainda maior. Eu levei seis meses produzindo a parte escrita, isto é, até fevereiro. Ao mesmo tempo, acompanhava o andamento da produção, o layout, enfim. Por outro lado, essa proximidade era estimulante, era como dar corda na engrenagem toda”, enfatizou Vanessa, ressaltando que o prazo para conclusão “foi cumprido, para orgulho de todos os envolvidos”.

Encontros surpreendentes

Entre tantas revelações e descobertas feitas por Vanessa, está o “encontro com o capitão Cordeiro”, uma das mais significativas, segundo ela. Ele foi o projetista de Nova Friburgo. Sim, a cidade teve um projetista, que passou era tido como o “pai” de Nova Friburgo. Era o coronel do Real Corpo de Engenheiros, Francisco Cordeiro da Silva Torres de Souza Melo e Alvim, Visconde de Jurumirim, nascido em Portugal, em 1775. Ele veio para o Brasil junto com Dom João VI, em 1808. O capitão Cordeiro foi o responsável pelo planejamento da cidade.

“Eu já tinha ouvido falar dele, mas não havia informações esclarecedoras, sequer seu nome completo, se era um personagem relevante ou não. Sabíamos apenas que teria havido um projetista chamado capitão Cordeiro. Até encontrarmos documentos sobre o personagem, sua origem, carreira e realizações. Foi um achado e tanto! Conseguimos até um retrato dele no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB)”, revelou.

O livro narra a história de Nova Friburgo antes mesmo de sua criação. Começa em Portugal e na Suíça, ainda no século XVIII, enquanto no Brasil, mais precisamente nos Sertões de Macacu, área hoje ocupada por 13 municípios, viviam índios, africanos escravizados e portugueses, que desde o século anterior haviam iniciado a corrida ao ouro e pedras preciosas na região que viria a ser chamada de Minas Gerais. Essa parte do livro merece capítulo detalhado e amplamente fundamentado, graças a trabalhos anteriores de historiadores que enriquecem a bibliografia disponível para futuros pesquisadores. Como no caso da própria Vanessa Melnixenco. “Por mais que eu estivesse familiarizada com o tema do livro, é sempre emocionante mexer com a história de um povo, do nascimento de uma ‘nação’, tenha ela o tamanho que tiver”, acrescenta.

Outra descoberta que tocou o coração da historiadora diz respeito ao poeta Casemiro de Abreu, morto aos 23 anos. “Quando ele veio estudar no Instituto Freese, em Friburgo (dos 11 aos 13 anos), ele escreveu que era a primeira vez que deixava sua casa, que sentia muitas saudades do pai. Revelou que a saudade era a sua primeira musa. Quer dizer, Casimiro de Abreu escreveu aqui seus primeiros versos. Na hora em que reproduzi essa passagem no meu livro, vivida por aquele menino tão sentidamente solitário… confesso, chorei. É emocionante descobrir esses detalhes, tão íntimos e desconhecidos, um instante tão intenso. Não tem como passar batido. Tem que se deixar envolver e falar disso também”, enfatiza Vanessa.     

Momentos silenciosos

O fato de ter conhecimento de passagens dolorosas da história bicentenária de Nova Friburgo não diminuía o impacto que Vanessa sentia ao reler acontecimentos. A emoção vinha com a mesma intensidade. “Percebia, então, momentos de profundo silêncio, vividos pela totalidade das pessoas. Fosse no silêncio dos imigrantes suíços ao se deparar com terras estranhas, desconhecidas, tão distantes, e viver as primeiras desilusões. Ou no silêncio dos friburguenses diante da tragédia climática de 2011. O grande protagonista desses momentos foi sempre o silêncio. O leitor vai perceber isso no livro. As dificuldades são tantas, que a cidade inteira silencia, sofre calada. A população se subtrai, fica entregue ao nada. Por outro lado, isso mostra o poder que Friburgo tem de se reerguer e recomeçar. E eu procurei transmitir essa força de caráter que o friburguense tem, sem romancear, mas com o tom de quem conta uma história. Daí o livro trazer também uma série de ‘causos’ de personagens que encontrei”.

A primeira edição do livro tem uma tiragem de três mil  exemplares e está à venda na Fundação Dom João VI. Toda a verba arrecadada com a venda dos livros será destinada aos novos trabalhos da Fundação. “Um dos nossos objetivos é construir no prédio da instituição, o primeiro museu de Nova Friburgo. Este livro é nossa primeira chance de angariar fundos para atividades e produção de trabalhos com qualidade. Mas o maior mérito dele é possibilitar que a história de Nova Friburgo esteja acessível a todos através da versão digital, sobretudo para os estudantes, no formato e-pub para que seja distribuído nas redes públicas e privadas, como recurso pedagógico. E que possam inspirar e ajudar na produção de futuros trabalhos. Nosso objetivo é a democratização do conhecimento, e que todo friburguense seja parte e sujeito da história de sua cidade”, reiterou Vanessa.     

 

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS: livro | 200 anos
Publicidade