Artesanato, culinária, música, literatura, teatro, cinema, dança: quando falamos em Nordeste, são inúmeras as imagens construídas em nossa mente, num grupo diverso e multiplicado em beleza, histórias e misturas culturais, emanado para além das restrições geográficas do mapa. Vivenciamos o nordestino em todos os lados cartográficos do globo. Eu, cearense que mora pelos lados do Sudeste desde 2011, sei bem ao certo como é estar inserido em um país tão plural, de uma pluralidade pulsante e, por vezes, aconchegante.
Nas Olimpíadas 2016, por exemplo, temos um reflexo desse plural aconchego. Por mais que os jogos estejam situados em um único estado, a chama da tocha olímpica iluminou muitos lugares do nosso Brasil, carregando a certeza de que há uma confluência de povos acontecida em nosso território. Uma bela demonstração do fogo enquanto celebração desta mistura foi a escolha da música tema para revezamento da tocha: uma releitura de “A vida do viajante”, de Luiz Gonzaga, pelas vozes e ritmos revezados de Luan Estilizado, Bruno Cardoso (Sorriso Maroto), Roberta Sá, Marcelo Jeneci, César Menotti & Fabiano, Koringa, Alexandre De Faria e Bruno Boncini (Malta).
Além dos jogos, os turistas ainda poderão conferir a programação especial da Feira de São Cristóvão (Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas), local que sintetiza os ares nordestinos em terras cariocas, feito imã a todos que sentem falta do aconchego do norte, a todos que desejam a vivência desse povo. Os turistas, portanto, levarão e respirarão um pouco da cultura nordestina, através das quase setecentas barracas de artesanato, comidas e bebidas, além de animações características da terrinha e de muita música (forró, xaxado, baião, repente, maracatu etc.).
E vivenciar o Nordeste é reviver esse Brasil plural e aconchegante. É revisitar a própria história do país, é repensar a questão da miscigenação e da pluralidade, é reconhecer Patativa do Assaré em cada um que rompe os limites das cartas geográficas, no riso e no choro que é viver longe da terra que se nasce. Viver a cultura nordestina é abraçar um povo acolhido e acolhedor, transpondo a imagem do Nordeste para além de uma terra flagelada e estigmatizada. Porque foi do solo seco e forçado pintado nos livros que emergiram as cores que compõem as faces desta região, longe de ser só seca, castigo e fuga. O Nordeste tem crescido sob e sobre uma força que atrai brasileiros de todos os pontos, num ritmo cada vez mais intenso de quem olha o país através da vivência, única maneira de desconstruir os preconceitos impostos.
Vivenciar o Nordeste é ouvir Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, Dominguinhos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Fagner, Raul Seixas, Geraldo Azevedo, Zeca Baleiro, Geraldo Vandré e Zé Ramalho. É ler José de Alencar, Castro Alves, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Marcos Vilaça, Gregório de Matos, Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos, Nelson Rodrigues e Ariano Suassuna. É sorrir Chico Anysio e Marco Nanini. É assistir Aguinaldo Silva e internalizar Paulo Freire. É lutar Maria da Penha e Nise da Silveira. É conhecer Ruy Barbosa.
O sol nordestino, luz do mesmo sol que ilumina qualquer mapa, é luz que seca e cura qualquer parte. É sol que fecunda flora e abriga mar. É sol o ano inteiro a aquecer e permitir brisa diária. É luz que brota gente em força e calcanhares sangrados de pisar terra dos outros, até descobrir que a terra é um globo infinito sem dono. Calcanhares e mãos que construíram abrigos e pontes nos canteiros das grandes cidades, multiplicando e assimilando o sangue escorrido num passado de paus-de-arara. Mãos de quantidade expressiva em gritos, votos, palavras e vetos. E se a expressividade desse povo (que, no fundo, é o mesmo povo seu) se mostra tão grande assim, custa nada entender a fala desse Nordeste, a fala suada em tijolos e cimentos das várias calçadas. Calçadas marcadas por cada caminho nosso.
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