Há exatamente uma semana, a barragem de rejeitos da Vale do Rio Doce rompeu e devastou a cidade de Brumadinho, em Minas Gerais, a cerca de 450 quilômetros de Nova Friburgo. Ainda não se sabe a dimensão total da tragédia, que até a tarde desta quinat-feira, 30, havia somado pelo menos 99 mortos e 257 desaparecidos, além de inúmeros animais mortos e um impacto ambiental sem precedentes.
Apesar das razões desta catástrofe terem sido diferentes, em 2011, Nova Friburgo viveu momentos de horror e um clima de luto parecidos com o que a cidade mineira enfrenta hoje. Para evitar que cenas de oito anos atrás se repetissem, em 2013 foi criado em Nova Friburgo o Projeto de Fortalecimento da Estratégia Nacional de Gestão Integrada de Riscos em Desastres Naturais (Gides), que tem como principal objetivo, o fortalecimento da capacidade brasileira na gestão de riscos de desastres naturais.
De acordo com o sub-secretário municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano Sustentável, Alexandre Sanglard, Nova Friburgo tem capacidade para ajudar Brumadinho.
AVS: Quais aspectos podem relacionar o Projeto Gides com o ocorrido em Brumadinho?
Alexandre Sanglard: A primeira coisa a se destacar é que lá (em Minas Gerais) não houve um desastre natural e sim um problema de engenharia gerando um fluxo de detritos. Fluxo este que estudamos aqui em Friburgo através do Projeto Gides. Tivemos em vários pontos da cidade, em 2011, como Lagoinha, Vila Amélia e Duas Pedras enxurradas de lama que carregam casas, carros, galhos, árvores e só para quando perde força. Do Japão, através do Projeto Gides, conhecemos ações estruturais como obras, e não estruturais, que são protocolos e planos de contingência. O que ficou claro é que a infraestrutura da barragem de Brumadinho foi a primeira a ser afetada, ou seja, não houve aviso e não houve monitoramento adequado. Quando uma barragem se rompe, com monitoramento adequado, se consegue avisar a tempo de muitas vidas serem salvas.
Que tipo de ação deveria ter sido feita para evitar ou amenizar a ruptura da barragem?
Um mapeamento e uma simulação de um estouro da barragem mostrando onde e o que ela atingiria, o tamanho da área, onde há pessoas etc. Isso nós temos aqui em Friburgo. Isso ajuda muito as equipes de resgate. Também é necessário um plano de contingência. A infraestrutura da mineradora estava logo abaixo e os funcionários foram as primeiras vítimas. Eles tinham que estar conectados diretamente com a Defesa Civil. São ações muito conhecidas pelas mineradoras. Toda barragem de rejeito tem que ser monitorada.
Quando o rompimento da barragem é inevitável, como proceder?
Se não tem jeito é necessário evacuar o local, com uma coordenação especializada, pois as pessoas podem correr direto para o perigo. No Japão, quando há alarme de tsunami, a população tem a informação até da altura da onda. Nas ruas existem setas que indicam os lugares para onde as pessoas devem ir e a que altura elas estão, além das simulações para eventos de emergência.
Como Friburgo pode ajudar Brumadinho?
Como o Projeto Gides foi coordenado pelo governo federal, através do Ministério das Cidades e Integração Nacional, eles sabem, da nossa capacidade. O que pode acontecer é o governo alertar sobre o nosso conhecimento e nós irmos até lá prestar algum auxílio. Será uma troca de experiências. Estamos esperando.
Como seria a atuação?
Todas as instituições que estão lá trabalhando tem treinamento para isso. Minas Gerais em particular, porque reúne muitas represas. Eles são especializados no assunto. Em Friburgo é alagamento e movimentação de massa. A nossa Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros estão focados nesses eventos. Conhecendo o evento, você se prepara melhor e mais rápida será a resposta. O que nós podemos ajudar é mostrar a nossa experiência através do Projeto Gides. A nossa Defesa Civil, quando o local é de difícil acesso, cria núcleos que estão de prontidão para prestarem os primeiros socorros. O que vimos em Brumadinho, tivemos aqui em 2011: vias obstruídas. A orientação é sempre desobstruir vias em primeiro lugar. Se não tiver mobilidade você não salva vidas. Nesse momento, é muito importante o serviço de tecnologia do Exército. A logística militar está em funcionamento por lá. O governo federal agiu rápido e criou o gabinete de crise, assim como nós aqui em Friburgo também já temos uma sala reservada para isso, caso haja necessidade. Nessa sala ficam o prefeito, e as autoridades envolvidas e só dessa sala saem as notícias para a imprensa, para não acontecer a circulação de notícias falsas, como foi o caso de 2011 em que pessoas morreram por conta de um boato do rompimento de uma represa que nem havia na cidade.
Se a Vale tivesse um plano de contingências, assim como Friburgo tem o seu, mais vidas seriam salvas?
Se tivesse um plano de evacuação todas as vítimas teriam sido salvas. Seria considerado um dano ambiental e perdas materiais. A primeira preocupação é sempre salvar vidas, até porque são essas vidas que depois poderão ajudar a recuperar o material que foi destruído.
Nova Friburgo está preparada para diminuir impactos caso aconteça algo da mesma proporção que 2011?
Com certeza. Nós tínhamos um plano de contingência na época, mas nada nos preparou para aquilo. O ano de 2011 foi um marco na história de Friburgo. Daí começou o Projeto Gides que alinhou governos municipal, estadual e federal. Hoje temos pessoas em áreas de risco e a gente vai resolver isso com a política nacional de habitação. Quando não temos como retirar essas pessoas de área de risco a gente monitora, informa a Defesa Civil, que cria os pontos de apoio e as pessoas se deslocam quando soam os alarmes. É um constante contato entre as defesas civis federal, estadual e municipal, além dos simulados.
E a população tem participado dos simulados?
Temos notado cada vez menos pessoas participando dos simulados. Desde 2011 não tivemos um problema daquela magnitude e por isso as pessoas não comparecem em peso. Não se pode acomodar. O que nós queremos com o Projeto Gides é que mais cidades sigam o nosso exemplo, até agora além de Friburgo, só Petrópolis e Blumenau tem o projeto. É bom frisar que a população tem que comparecer aos simulados, tem que se informar. Teremos uma atuação nas escolas. O prefeito quer que faça parte do currículo escolar. Quando entrarmos em contato, se a autoridade pedir para sair, saia. Não questione. Estamos aparelhando a cidade com tecnologia para ter o máximo de precisão.
O projeto Gides
Em meados de novembro de 2011, o coordenador de Defesa Civil de Nova Friburgo, coronel bombeiro João Paulo Mori, esteve com representantes da empresa Jica (Agência Japonesa de Cooperação Internacional). Os visitantes participaram de uma reunião no quartel central do Corpo de Bombeiros, no Rio, onde se encontraram com Mori, que proferiu uma das palestras, manifestando o interesse de conhecer Nova Friburgo e ver de perto as consequências da tragédia do início daquele ano, que poderia resultar num intercâmbio ou ajuda material.
Em Nova Friburgo, Mori os levou aos bairros Vilage, Suspiro, Duas Pedras e Córrego Dantas. Nestes locais, se depararam com um cenário de destruição para o qual não estavam preparados. Ficaram profundamente chocados. Principalmente, considerando que na região onde vivem não há montanhas e os problemas são furacões ou inundações.
Comentaram que tanto no Japão quanto no Brasil, a reconstrução sempre custa mais caro que a construção e que a Defesa Civil nacional e estaduais, devem apoiar as municipais, que não têm recursos. Citaram ainda que a recuperação após o tsunami e terremoto no Japão, foi mais rápida porque lá, a burocracia é muito menor.
Os especialistas japoneses almoçaram no 6º Grupamento de Bombeiro Militar e visitaram a sede da Defesa Civil municipal. Como consequência da visita, ficaram de manter contato para futuras cooperações e ajudas, podendo ser a realização de um curso, área em que têm atuação destacada, além de recomendações sobre treinamentos com a população. Também teceram elogios à cartilha preparada pela Defesa Civil estadual, com 10 mil exemplares, distribuídos à população friburguense.
Em 2015, o chefe da equipe japonesa do Gides, Takao Yamakoshi e outros três técnicos japoneses vieram a Nova Friburgo, realizaram uma visita de cortesia à Prefeitura Municipal, dando inicio à coopperação entre o Japão e Nova Friburgo.
Há oito anos, Nova Friburgo passava por um dos momentos mais difíceis da sua história. O fenômeno climático que acometeu a cidade a partir da noite do dia 11 de janeiro de 2011, avançando pela madrugada do dia 12, mudou o perfil de respostas às situações de risco do município. Para marcar a data, foram apresentados ao prefeito Renato Bravo os seis manuais do Projeto de Fortalecimento da Estratégia Nacional de Gestão Integrada de Riscos em Desastres (Gides), fruto da participação da cidade no Acordo de Cooperação Técnica Internacional entre os governos do Brasil e Japão.
A apresentação dos documentos ao prefeito foi feita pelos subsecretários de Obras, Luiz Claudio Gonçalves; Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, Alexandre Sanglard; de Defesa Civil, Robson Teixeira e de Desenvolvimento Econômico, Walter Thurler.
Juntamente com Petrópolis (RJ) e Blumenau (SC), Nova Friburgo ingressou no projeto como cidade-piloto em 2013 para capacitar representantes visando à construção de ferramentas para diagnosticar áreas de risco, planejamento urbano e proposição de políticas preventivas a desastres naturais. O trabalho de transferência de tecnologia internacional envolveu equipes multidisciplinares das esferas municipal, estadual e federal, além de universidades. Todo esse estudo resultou no lançamento de seis manuais sobre sistema de alertas, ruptura de encostas, mapeamento de risco, movimentação de massas, fluxo de detritos e planejamento urbano.
O protagonismo de Nova Friburgo no projeto trouxe uma diferenciação da cidade em relação aos demais municípios com áreas de risco no país. Entre os avanços, estão a conclusão de obras de contenção em encostas, dragagem de rios e a implantação do sistema de alerta e alarme. Agora, o município entra em outra etapa do Gides e busca a continuidade aos estudos, entrando em um processo de fiscalização e educação, preparando o poder público e população para aplicar os instrumentos traçados pelos manuais.
Para a Prefeitura de Nova Friburgo, o esforço de fortalecimento das estratégias de prevenção aos desastres vai além e já figura na nova Lei Orgânica e nos dispositivos orçamentários das secretarias envolvidas neste enfrentamento, como Meio Ambiente, Obras e Defesa Civil. Sensibilizado com o resultado, o prefeito Renato Bravo disse que vai buscar recursos financeiros para continuidade destas ações.
“Tudo o que conseguimos instituir como medida de prevenção está perfeitamente alinhado com as propostas apresentadas pelas novas gestões do Estado do Rio de Janeiro e do Governo Federal. O nosso objetivo não é ficar apenas no discurso. Vamos buscar mais parcerias para estruturar os setores responsáveis e iniciar a execução do que está estabelecido nos manuais aqui na cidade. O que aconteceu em 2011 foi tão impactante que ilustra os manuais e esse material será usado como orientação para todos os outros municípios brasileiros. O maior compromisso da nossa gestão é preservar vidas”, destacou o Renato Bravo.
As informações contidas nos manuais serão compartilhadas com os ministérios públicos Estadual e Federal, em seminário a ser agendado e, posteriormente, com a sociedade civil e imprensa, para replicar o conhecimento sobre a condição da cidade pós-fenômeno climático.
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