"A remoção por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial ocorrerá independentemente do interesse da Administração, mediante Laudo Pericial expedido pela Divisão de Perícia em Saúde da Coordenação de Atenção Integral à Saúde e Qualidade de Vida – CASQ, vinculada à Progepe (Pró-reitoria de Gestão de Pessoas da Universidade Federal Fluminense).”
Este é o artigo 9º da Norma nº 629 de 17 de abril de 2013, publicada em 24 de abril de 2013 no Boletim de Serviço Seção IV da Universidade Federal Fluminense, que pode ser encontrado no site www.progepe.com.uff.br.
A nova norma regulamenta as regras para remoção de servidores públicos da instituição, mas parece que não serve para todos os casos. Pelo menos é o que afirma a escritora e professora de filosofia Ana Christina Vieira, de 35 anos.
Ana foi diagnostica com fibromialgia — doença que se caracteriza, principalmente, por dor crônica e difusa pelo corpo — em 2010, pouco depois de ser chamada para dar aulas na UFF em Campos dos Goytacazes (a cerca de 200 km de distância de Nova Friburgo). A realidade de estar longe de casa e enfrentar longas viagens fizeram com que as dores que Ana sentia piorassem cada vez mais e fossem capazes de gerar outro transtorno, a síndrome do esgotamento profissional. "Meu marido não podia me levar porque precisava trabalhar, eu não podia dirigir por conta dos remédios, tinha que ir de ônibus, numa viagem de seis horas em média”, conta ela, e ainda afirma: "Cheguei a ficar mais de 400 dias de licença por não conseguir ir para o trabalho”.
Após muitos meses de frequentes licenças médicas liberadas pela perícia da instituição, em 2012, Ana resolveu entrar com processo interno de pedido de remoção: "Começamos uma saga de apresentação de documentos e laudos médicos, sem contar com todos os estágios para validação que a documentação precisa passar”. E, apesar de ser aceita pela perícia, a solicitação não foi acatada pela administração da Universidade Federal Fluminense, o que a levou a entrar na Justiça. Em setembro do ano passado, a professora conseguiu uma liminar que determinou sua remoção imediata para o polo de Nova Friburgo. No entanto, o que Ana achou que já estava resolvido voltou a se tornar motivo de dor de cabeça poucos meses depois, mesmo se tratando de uma remoção por motivos de saúde.
Durante todo o primeiro semestre de 2014, a professora de filosofia deu aulas normalmente no campus de sua cidade, chegando a criar duas disciplinas eletivas, que ministraria no segundo semestre juntamente com as matérias de bioética e de metodologia. As disciplinas criadas por Ana, no entanto, foram canceladas em agosto, graças a um agravo — recurso cabível contra decisão de juiz ou de membro de tribunal — aceito pela Justiça, que reviu a liminar que garantia a permanência de Ana em Friburgo. Uma decisão foi publicada no boletim interno da universidade solicitando o retorno dela a Campos até que o caso fosse julgado.
"O mais triste é que você se dedica, estuda anos em busca de estabilidade e agora tudo parece mais desesperador. Isso é um desrespeito imenso ao profissional e, principalmente, ao ser humano. Os próprios colegas de trabalho se assustaram com a minha volta a Campos por saberem da minha situação de saúde. O polo de lá já estava articulado e, agora, estão tendo que se rearticular novamente por conta dessa mudança repentina. Estamos esperando um embargo, mas não há muita esperança em relação a isso porque na Justiça é tudo muito demorado e é preciso que a universidade dê alguma resposta para que possamos recorrer em uma instância superior. Mas nada aconteceu até hoje”, desabafa Ana.
A VOZ DA SERRA entrou em contato, por e-mail, com a assessoria de imprensa da Universidade Federal Fluminense, para buscar esclarecimentos sobre o caso, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos repostas. Também entramos em contato com os coordenadores do curso de odontologia do campus Nova Friburgo. Segue resposta enviada pelo coordenador Flávio Robles, na íntegra:
"O que ocorreu, sob a óptica da coordenação de curso minha e da Professora Flávia Maia, é que foram criadas duas disciplinas eletivas (Filosofia e Saúde e Corpo e Sociedade), a serem ministradas pela professora, que ofertaria 80 vagas para nossos alunos, de todos os cursos do campus, não somente de odontologia, mas de fonoaudiologia e de biomedicina em um dia (6ª feira), importante para que o campus fosse frequentado pelos alunos, pois como a maioria é de fora de Nova Friburgo, neste dia há um costume de ser considerado dia de ir embora para as cidades de origem, sub-utilizando assim a estrutura pública que oferece ensino, pesquisa e extensão. Desta forma, seria um pretexto interessante para fixar os alunos no nosso campus no horário comercial normal e durante a semana toda (de segunda a sexta).
Além disso, a professora ajudaria na disciplina de Bioética e nas disciplinas de preparação metodológica para os trabalhos de conclusão de curso. Considerando-se tudo isto, realmente lamento a queda desta liminar pela Justiça, o que não contestamos, mas cumprimos e aceitamos. Creio também que a professora contribuiria para, com sua expertise e formação em humanidades, abrir a cabeça de um estudante de saúde para questões filosóficas, sociais, de humanização e de convivência, pois ainda nas áreas de saúde priorizam-se modelos tecnicistas e voltados para a doença e não promoção de saúde de maneira mais ampla. Entendo assim um prejuízo para esta formação mais moderna e integrada, com enfoques contextualizados no ser humano completo, com origem e participações na sociedade, que pretendemos estimular em nossos alunos, e não apenas o técnico, voltado para intervenções meramente curativas e invasivas, sem esta perspectiva mais real”.
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