Preservar a natureza: experiência de uma vida

quinta-feira, 21 de junho de 2012
por Jornal A Voz da Serra
Preservar a natureza: experiência de uma vida
Preservar a natureza: experiência de uma vida

Maurício Siaines

Osvandil Carlos Quimas é um ambientalista desde que se entende por gente. Nasceu em Nova Friburgo, em 1927 e sua vida sempre esteve ligada à lida com a natureza. Foi agricultor, professor, deu aulas sobre conservação de solos. Hoje, continua trabalhando diariamente no Horto Municipal, no Vale dos Pinheiros. Suas reflexões sobre a relação do homem com a natureza são contribuições às discussões atuais do tema. Algumas delas ele compartilhou em conversa com A VOZ DA SERRA, no centro de Nova Friburgo, na sexta-feira, 15 de junho. Antes, mostrou nas imediações diversas árvores plantadas com suas mãos há mais de 25 anos. Gosta de conversar, mas não só de falar: acredita ser importante também a iniciativa de se fazer o que é preciso, algo que vem marcando toda sua vida. Abaixo, trechos da entrevista.

A VOZ DA SERRA – O senhor com seus 85 anos, nascido no bairro do Cônego, que lembrança tem de Nova Friburgo em sua infância e juventude?

Osvandil Carlos Quimas – Se eu fechar os olhos eu me lembro de quando estava no colo. Lembro-me lá do Cônego querendo atravessar o rio e não tinha ponte. Era muito pequeno e levava um reloginho na mão ... mas era tudo muito diferente, as pessoas com trajes diferentes, falavam diferente, tinham amizade umas com as outras. Meu pai ia à casa dos vizinhos contar histórias. Hoje não há mais nada disso porque a televisão sufocou tudo. E veio a internet e ficou ainda pior: as pessoas estão perdendo a memória porque a máquina está fazendo tudo. Inclusive a medicina atual é mecânica.

AVS – Então, o senhor acha que a televisão e a internet pioraram a vida da gente?

Osvandil – Ah! Pioraram. Olha, Friburgo era diferente, nossos deputadinhos—coitadinhos—criaram esse negócio de ninguém poder repetir o ano [nas escolas], todo mundo tem que passar—eu também fui professor e era tudo muito diferente. Hoje, a pessoa pensa: “Eu vou passar de ano, por que vou me esforçar?”. Voltando mais para trás, lembro-me que só havia uma escolinha [no Cônego], do senhor Alcides Frotté, onde minha mãe estudou. Quem sabia um pouquinho mais era professor. Naquele tempo, podia-se dar com a régua nas mãos dos alunos ... no meu tempo, nunca dei reguada em ninguém porque já era tudo mais moderno. Uma vez, um aluno mentiu a meu respeito, dizendo ao pai que eu havia lhe batido com a régua. Muito tempo depois, esse ex-aluno veio me pedir desculpas por haver mentido ... aquilo ficou na mente dele!

AVS – E como o senhor começou a gostar desse seu trabalho com plantas?

Osvandil – Meu pai era agricultor, meus tios, também. E eu via aquelas plantas todas e alguma coisa me fez gostar [do assunto]. Eu sempre sonhava estudar agronomia. Depois, na mata, achava aquilo uma coisa extraordinária. A gente saía a pé e andava umas quatro horas por dentro da mata, em Macaé de Cima, lá em cima no Rio das Flores. Tinha alguma coisa que me puxava. Antes eu sonhava estudar geologia, depois, cheguei à conclusão de que a agricultura é a coisa mais importante que existe, porque os alimentos todos saem da terra, que dá tudo que a gente quer. Até dei aulas na Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) sobre conservação de solos. A terra é viva porque mantém a vida.

AVS – Além de toda a experiência desde criança, em que lugares o senhor estudou?

Osvandil – O José Barroso, que tinha contatos com todos esses ministérios, descobriu que a Escola Wenceslau Bello e me ofereceu ir estudar lá. Eu já era maior de idade e pensei: “Vou aproveitar essa oportunidade”. Era no bairro da Penha, lá no Rio. Cheguei lá já sabendo muita coisa na prática: meu pai tinha estudado alguma coisa, lá em Viçosa, e passava para nós. E havia aqueles livros velhos de meus pais que eu gostava de ler e comecei minha formação assim. Lá na escola me colocaram como diretor do clube agrícola que havia lá: havia uma horta que era por minha conta e nela fiz muitas coisas. Depois, como eu gostava muito de livros, me colocaram como diretor da biblioteca.

AVS – E como o senhor foi se tornar professor?

Osvandil – Tornei-me professor contratado [em Nova Friburgo] porque a professora lá da Cascatinha teve um problema de saúde e perguntou se eu queria substituí-la. E aí, dei aulas para aquela criançada toda, da primeira, da segunda e da terceira séries. Depois, fiz curso no Ienf (Instituto de Educação de Nova Friburgo) e, em seguida, uma prova. Passaram cinco dos contratados e oito dos efetivos.

AVS – E o senhor se aposentou como professor?

Osvandil – Aposentei-me com 67 anos, em 1994. Já havia dado aulas na Emater e participado de muitas coisa desse tipo. Depois, em 1983, entrei para a Prefeitura, onde também fiz muitas coisas; comprei também muitos livros e fui aprendendo sozinho.

AVS – E hoje, depois de aposentado, o senhor trabalha no Horto Municipal, no Vale dos Pinheiros. Como é seu trabalho lá?

Osvandil – Sou contratado e estou multiplicando plantas, sou viveirista, que é a pessoa que faz plantas com sementes, ou clonadas, ou através de outros processos usados. Aprendi muito lendo. É um grande divertimento. Pego o ônibus das 6h10 no Cônego, chego no horto e abro a porta para o pessoal. [Mais tarde] dou um pulinho em casa para almoçar e volto, ficando até 15h50. Pego na enxada, mesmo ... por isso estou assim nesse [bom] estado de saúde. É muito bom, você planta aquela sementinha, depois vê aquela palmeirona. Faço muitas mudas. Poderíamos produzir muitas mudas, mas precisaríamos de uma equipe para plantá-las.

AVS – O senhor, que estudou agronomia e tem todo esse cuidado com plantas, com árvores, como vê o conflito existente entre agricultores e pessoas preocupadas com a preservação da natureza?

Osvandil – Olha, se todos fossem bem-educados para viver na natureza, todos teriam uma área reservada. Se, de quatro sítios, cada um deixasse 20%, formava-se uma boa área. E é preciso não ser ganancioso. Se ninguém queimasse nossas montanhas, teríamos florestas virgens como no tempo em que Pedro Álvares Cabral chegou.

Há milhões de hectares de pastos degradados—aqueles em que, durante muitos anos só vão roçando, não dando nenhum trato e ficam aqueles terrenos em que nem o boi pode viver lá—, com tecnologia, é possível fazer isso tudo produzir comida. E com tecnologia essas terras poderiam produzir soja, milho. Nos Estados Unidos estão fazendo biocombustível do milho.

AVS – A criação de gado, de um modo geral, destrói a natureza, não é?

Osvandil – O gado não é uma expansão boa. Levam para a Amazônia e o solo lá é diferente. O pisotear doa animais estraga o solo ... só se o gado fosse criado confinado ... é preciso uma técnica para não deixar o gado estragar a terra. E há o gás produzido dentro dos animais ... como dizia o Lavoisier, “Na natureza, nada se cria nada se perde, tudo se transforma”. Assim, é o homem que vem fazendo transformações [danosas].

AVS – Então, esse conflito sempre existe, não é? Pois até a nossa respiração altera a natureza.

Osvandil – A gente vê em fotografias o Rio Loire, lá na França, e tem mato de um lado e do outro. Aqui, não, as pessoas vão trabalhar dentro da água, desprotegem a beirada e vem a enchente e carrega tudo. Vi isto em São Lourenço, quando fui lá para plantar palmito.

AVS – As cidades sempre destroem, não é? Nossa cidade tem um monte de construções nas beiras de rios...

Osvandil – Mas não deveria. Isso tudo deveria ter sido proibido. Quando morei em Conselheiro Paulino, quando fazia o Tiro de Guerra, em 1948, não entrava água lá. Hoje, com os loteamentos em terras íngremes ...

AVS – As restrições ao uso de terras por motivos relacionados à preservação ambiental também contribui para o abandono da agricultura?

Osvandil – Onde se produz a água, que é nosso vida, tem que ser reserva sagrada, em que não se pode mexer. Ou a gente deixa aquela água para as plantas, ou vai-se ficar sem água, o que é muito pior.

AVS – Hoje há uma grande discussão a respeito da transposição das águas do Rio São Francisco, no Nordeste. O que o senhor pensa a esse respeito?

Osvandil – Isso é blá-blá-blá. Como se vai fazer essa transposição? Gosto muito de geografia também. Acho que seria melhor pegar o Rio Tocantins, que desemboca em Imperatriz, no Maranhão, e canalizar águas para o Nordeste—hoje há todo tipo de bombas, até com energia solar. Seria melhor do que levar as águas do Rio São Francisco. Isto vai dar um problema muito sério e poucos serão beneficiados.

AVS – E essa conferência internacional que está acontecendo lá no Rio, agora, o senhor acha que também é blá-blá-blá, ou pode trazer boas consequências?

Osvandil – Lembra daquelas que já houve? E o que aconteceu? Pois é. Os municípios é que deveriam cuidar disso. Porque o município é a menor célula, deveria cuidar de todas essas coisas.

AVS – Inclusive da lei que regulamenta toda essa relação com a natureza?

Osvandil – Não, a lei é federal, mas a prática deveria ser dos municípios. Lá nas nascentes do Rio São Francisco, em Minas Gerais, paga-se ao dono da terra para a manutenção de uma quadra de mato. E os municípios mandam técnicos para plantar e mostrar como conservar.

AVS – Aqui em Nova Friburgo, nas regiões de Lumiar, São Pedro da Serra, Galdinópolis, Macaé de Cima, há muito rios e córregos e a distância deles exigida para se fazer qualquer atividade inviabiliza, tanto a agricultura quanto as construções. A lei não deveria respeitar especificidade de cada região?

Osvandil – É preciso entrar em um acordo para se proteger os rios e córregos. A parte da lavoura [não pode invadir] aquela outra de onde vem a água e de que todos nós dependemos.

AVS – O senhor, como um homem conhecedor da natureza, o que desejaria aqui para nossa região, o que seria bom?

Osvandil – No meu modo de pensar, que é bem diferente dos outros, é possível fazerem-se lavouras [em encostas] em degraus, deixando espaço para a água descer. Em uma inclinação de 60 graus, por exemplo, deixando-se de dez em dez metros um espaço para a água descer. E não queimar mais. Agora, tem que botar os burocratas que nasceram em apartamentos junto com o pessoal de lá [das localidades], aquelas pessoas inteligentes da roça.

AVS – Há alguma coisa mais que o senhor queira muito dizer?

Osvandil – Olha, tem tanta coisa que eu gostaria de falar ... e isso de falar-se não fazer é o que se chama de falácia. Acho que os friburguenses deveriam gostar mais de Friburgo ...

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