Por um ensino falho de excelência para nossos filhos

terça-feira, 27 de abril de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Thiago Freitas (*)

“Até hoje não se tem certeza de onde viemos.

Os filósofos ainda querem entender quem somos.

Existem umas duzentas teorias para onde vamos.

Os economistas querem explicar a crise.

E os cientistas como o cérebro funciona.

Como você pode ver, não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas.”

(Texto publicitário do Canal Futura)[

“Vou ter prova de Português nessa semana e a tia vai pedir ditongo e tritongo”, me disse minha sobrinha de dez anos, estudante da 4ª série (ou 5º ano, como queiram) de uma escola municipal de Nova Friburgo. Até aí nada de mais, não fosse uma conversa-aula que tivemos há umas duas semanas.

A pequena Gigi* havia me contado que, na escola, em Língua Portuguesa, estava aprendendo sobre encontros vocálicos e consonantais. E, forçando, a memória foi complementando aquilo que vinha estudando naquela disciplina: “dígrafo, ditongo, tritongo...” Curioso por testar seus conhecimentos perguntei o que era então um ditongo, ao que, para meu espanto, ela respondeu: “É o encontro de duas vogais numa mesma sílaba”. Mesmo pasmo, arrisquei a segunda pergunta: “O que é um tritongo?”. “É o encontro de três vogais numa mesma sílaba” – e assim consta no caderno dela, conforme passou a professora. Bom, se era para ela decorar o que a professora ensinou, então a pequena Gigi tem nota dez garantida. Mas, por outro lado, se o intuito da educação é fazer o aluno pensar criticamente e chegar o mais próximo daquilo que podemos considerar como verdade, então esta estudante que se inicia no mundo das palavras está sujeita a grandes decepções que virão.

Quem está com a memória fresca sobre o tema ou que é bom conhecedor da gramática da língua portuguesa já conseguiu entender aqui que a pequena Gigi, assim como seus coleguinhas de classe, foi vítima de mais um ato falho de nosso sistema de ensino. Os professores, descrentes do potencial de seus alunos, tendem a ensinar crianças e jovens de forma errada para mais tarde um outro professor tachá-los de bobo com aquela famosa historinha: “Tudo aquilo que vocês aprenderam com a Tia Maricotinha lá nas primeiras séries estava errado, o certo na verdade é assim.” Quantos de nós não passamos por este tipo de frustração durante nosso desenvolvimento escolar.

Explico aos leigos, ou aos que não se lembram mais, que é gramaticalmente impossível haver duas vogais em uma mesma sílaba. Tampouco três. Sendo assim, não se identifica um ditongo pelo encontro de duas vogais, mas sim pelo encontro de uma vogal e uma semivogal, ou em ordem inversa, uma semivogal e uma vogal, o que os distinguem entre decrescentes e crescentes, respectivamente. Já um tritongo é identificado assim pela coexistência, em uma mesma sílaba, de uma semivogal, uma vogal, e outra semivogal, sempre nesta ordem.

Não é a primeira vez que me deparo com esse mesmo problema. Aliás, às vezes me consideram crítico de mais quanto à forma de ensinar as crianças, mas sempre prefiro acreditar que o aluno é capaz de aprender do que pensar que ele não é, e então criar sofismas que mais tarde serão desmentidos para ele. E isso não é um privilégio da disciplina de língua portuguesa. Em história, por exemplo, há muitas questões controversas: Quem descobriu o Brasil? Tiradentes, herói ou traidor?; em geografia, os planetas eram nove, de repente são oito, em outro instante são dez.

O fato é que a educação precisa de uma reforma e urgente. Uma reforma que acabe de vez com as ‘respostas forma de bolo’ que ensinam às nossas crianças para perguntas que até hoje o mundo ainda não soube resolver. Um objetivo simples como o preconizava Paulo Freire, fazer com que o aluno pense, não decore.

Voltando ao caso da Gigi. Em casa estudamos o que era ditongo e tritongo corretamente, e ela compreendeu tudo muito bem, usando de criatividade e uma linguagem ao alcance de seu entendimento para uma menina de dez anos. Inclusive aprendeu sobre fonemas e alguns dos mecanismos de sons das palavras. Mas quando perguntei o que ela ia responder na prova, ela foi taxativa: “Ih, tio, eu vou responder como a tia mandou, porque senão eu perco ponto, né?”.

É, apesar de estar provado que não são as respostas que movem o mundo, e sim as perguntas, os professores, principalmente do ensino público, continuam pensando ao contrário, como se quisessem que a Terra girasse no sentindo inverso.

Perde a Gigi, perdem seus coleguinhas, perde a educação, perde o país.

*O nome foi alterado para preservar a identidade da criança

Thiago Freitas é jornalista

e estudante de Letras

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