É muito comum encontrar em igrejas evangélicas a cruz vazia na fechada ou no espaço interno do templo, seja afixada na parede sobre o altar ou até mesmo no próprio altar. O que chama atenção de muitas pessoas ao entrarem na Igreja Luterana é ver sobre o altar um crucifixo (a cruz com a imagem do crucificado), mais frequente em igrejas católicas.
Percebo que no meio evangélico existe falta de clareza sobre o assunto. Muitas igrejas defendem que sobre o altar deve apenas existir a cruz vazia, enquanto que outras defendem o uso do crucifixo. Há também os que defendem o “tanto faz”. Fato é que ambas as representações da cruz são válidas e tem o seu significado. A cruz vazia representa a ressurreição, ao passo que o crucifixo representa o sofrimento e a morte salvífica de Jesus Cristo pela humanidade.
Martim Lutero e as igrejas luteranas sempre mantiveram o crucifixo. Manifestando-se contra o movimento iconoclasta (destruidor de imagens) liderado pelo seu antigo companheiro Andreas Karlstadt, Lutero se manifestou dizendo: “Deveríamos deixar nas igrejas, pelo menos um crucifixo (...) para ver, para testemunhar, para recordar-se, para significar”.
Quem eliminou o crucifixo das igrejas, na época da Reforma Protestante, foram aqueles que aboliram todo e qualquer tipo de imagem das igrejas, por considerarem que estas feriam o segundo mandamento que trata de não fazer imagens da divindade (Êxodo 20.4). Os cristãos de origem reformada, sobretudo os seguidores de Zwínglio e Calvino foram por essa linha. Os cristãos luteranos, ao contrário, valorizavam muito as imagens (pinturas, esculturas) como forma de reforçar aquilo que era pregado e ensinado nas igrejas, não como objetos de veneração ou adoração, mas como instrumentos pedagógicos. Por isso, além do crucifixo, é comum encontrar nas igrejas luteranas vitrais coloridos.
É importante lembrar que a imagem do Cristo crucificado para a espiritualidade evangélico-luterana também aparece em inúmeras pinturas produzidas nas décadas seguintes à Reforma. Uma das representações mais famosas está sobre o altar da igreja Saint Marien em Wittemberg, na Alemanha. Trata-se de uma representação do Cristo crucificado pintada por Lucas Cranach, amigo de Lutero. Na pintura vemos Lutero no púlpito com uma mão sobre a Bíblia e a outra apontada para o Cristo crucificado que está centralizado. Do outro lado da obra, está retratada a comunidade que olha para o Cristo e não para o pregador. A pintura revela muito da teologia luterana, pois o centro do Evangelho e de toda a pregação cristã está o Cristo crucificado.
Lutero descobriu que somos aceitos por Deus através de Cristo crucificado. Nas palavras do reformador: “No Cristo crucificado é que estão a verdadeira teologia e o verdadeiro conhecimento de Deus”. O apóstolo Paulo mostra que essa salvação é loucura para o ser humano: “Mas nós anunciamos o Cristo crucificado - uma mensagem que para os judeus é ofensa e para os não judeus é loucura” (1 Co 1.23). Essa loucura da cruz é a doutrina cristã fundamental. Porque foi com sua morte na cruz que Cristo pagou por todos os nossos pecados e, ao ressuscitar, se tornou doador de perdão, vida plena e salvação para todos os que creem. Isto é o que chamamos de “Teologia Crucis” – base da teologia luterana. É a cruz que faz com que a Graça de Deus não seja barata, pois custou a vida de Jesus. Somos salvos pela graça, mas não foi de graça!
Quando Lutero descobriu a salvação somente pela fé em Cristo, unicamente pela graça de Deus e revelada somente na escritura, ele também passou a pensar como Paulo: “Quando estive com vocês, resolvi esquecer tudo, a não ser Jesus Cristo e principalmente a sua morte na cruz” (1 Co 2.2). Por tudo isso, o crucifixo sobre o altar pode ser uma boa ajuda para a pregação e a compreensão do evangelho, chamada pelo apóstolo Paulo de a “palavra da cruz” (1 Co 1.18).
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