Helen Fisher, antropóloga da Universidade Rutgers, EUA, autora do livro "Why we love? - the nature and chemistry of romantic" (“Por que amamos? - a natureza e a química do amor romântico”), afirma que amamos porque somos biologicamente programados para amar. A necessidade de procriar é tão poderosa quanto a de se alimentar ou dormir, criando no cérebro uma energia dramática que abastece quatro sentimentos básicos: paixão, obsessão, alegria e ciúme. Já para Frei Betto, teólogo, escritor e ideólogo da teologia da libertação, amamos porque fomos criados pelo amor — se não os tivéssemos recebido de Deus, segundo a visão cristã, jamais poderíamos manifestá-lo. Por que amamos, afinal? Confira os artigos da psicóloga Ágatha Abrahão e do antropólogo Wecisley Ribeiro exclusivos para os leitores de A VOZ DA SERRA sobre como percebemos o amor.
Amar é não adoecer
(Ágatha Abrahão)
Mas, afinal de contas, por que diabos amamos? Eis um tema que mobiliza e perturba mentes desde que o ser humano passou a questionar, nomear e problematizar as próprias emoções. Falar sobre isso é, ao mesmo tempo, complicado e simples. Complicado porque o amor mobiliza sensações e emoções das mais variadas, e simples porque, no fim das contas, essa é uma experiência comum a maioria de nós.
Mas, para não fugir muito a minha área de atuação, vou lembrar aqui de uma frase dita por Sigmund Freud em 1914, em sua Introdução ao Narcisismo: “... mas afinal é preciso começar a amar, para não adoecer, e é inevitável adoecer, quando, devido à frustração, não se pode amar”.
Amamos porque precisamos, porque nossa mente e nosso corpo precisam investir energia em algo. Amamos porque não é saudável emocionalmente que nossa libido não saia de nós, não seja investida. Amamos. Amamos em busca de felicidade, de completude. Precisamos amar. Paradoxalmente à busca por completude, amando nos deparamos com a nossa incompletude... e aí, continuamos amando, buscando, desejando.
Adoecimentos mentais graves consistem em não amar, não querer, não desejar e mais uma vez, percebemos as dores e delícias de amar: pode ser sofrido, às vezes, mas o amor nos movimenta e amar é sim, sinal de saúde mental.
Bem, deixando um pouco de lado as teorias... ter em quem pensar antes de dormir, ter sorrisos arrancados por notificaçõezinhas no celular, poder idealizar coisas, querer “apesar de”, querer por querer, perder por alguns momentos o bom senso, a vergonha, “a vergonha na cara” são coisas pelas quais passamos e das quais conseguimos extrair boas risadas, lembranças ou ao menos algum aprendizado para a vida.
Então, contrariando essa onda de “pegar sem se apegar”, em que se permitir gostar e fazer vínculo se tornou um sinal de fraqueza, podemos afirmar que é saudável se apegar... seja por uma semana, um, dois, três meses ou um ano. Seja amorosamente, afetivamente, fraternalmente ou sexualmente.
Se me permitem opinar em nome próprio, uma vida totalmente autorreferida é, além de danosa à saúde (como já está provado), muito sem graça. Então, vamos amar para não adoecer.
Um amor assim, idealizado
(Wecisley Ribeiro)
A antropologia sociocultural, diferente da antropologia biológica, segue uma outra linha de interpretação sobre o amor. De fato, há a pulsão biológica para a reprodução, mas a maior parte dos animais é poligâmica. Portanto, o instinto básico de reprodução não pode explicar o amor romântico e, menos ainda, o casamento. Mesmo o casamento parece ser anterior à ideia de amor. Segundo o sociólogo alemão Norbert Elias, em seu livro “O processo civilizador”, o amor romântico é uma invenção do intervalo histórico entre os séculos 14 e 18.
Todas as sociedades conhecidas pela antropologia apresentam a instituição do matrimônio, mas nem todas sustentam uma ideia de amor romântico e monogâmico, como o ocidente. Está ideia de amor do tipo “alma gêmea”, para se constituir, dependerá da elaboração histórica da noção de indivíduo, que é invenção da sociedade burguesa. É também da noção de propriedade privada.
O antropólogo francês Claude Levi -Strauss tratava o tabu do incesto como o elo de passagem do estado de natureza à cultura. A classificação entre casáveis e não casáveis teria sido a primeira elaboração cultural. Mas o espectro de com quem se poderia casar ou não não precisaria instituir a monogamia, conforme se vê na maior parte das sociedades tribais. Só com o advento da ideia de propriedade privada individual é que se pode conceber o amor romântico. Para isso concorreu, em primeiro lugar, a arte burguesa (o romantismo) e, atualmente, sua versão de massas no cinema e na telenovela, principalmente. Então, pra resumir, tenho a impressão de que as pessoas se apaixonam pela introjeção dos valores culturais nos quais são socializadas e cuja expressão mais evidente encontra-se na dramaturgia de massas. É a maneira como a cultura modula os instintos biológicos.
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