Álvaro Ottoni de Menezes
Muitas pessoas e governos não conseguem ainda dissociar leitura de alfabetização. Quando leitura não é, nunca foi e nunca será simplesmente leitura. Porque leitura significa LEITURA! A leitura é maiúscula.
A leitura é muito maior do que a palavra, não tem apenas três sílabas. Experimente fechar os olhos e pronunciar a palavra leitura. Agora pergunto, qual a imagem que lhe vem à cabeça, qual é a imagem que essa palavra lhe projeta? Feche os olhos. Tope a brincadeira, que de cá, sentado aqui na cadeira, nessa hora em que escrevo essas linhas também entro na roda. Como se vê bem de olhos fechados... Bem, o que eu vejo são portas e janelas abertas na minha frente. E logo mergulho na imagem, me insiro no contexto, e me surpreendo penetrando nesse convidativo mundo desconhecido que portas e janelas abertas me têm a oferecer.
Agora, de olhos novamente abertos e usando a razão, concluo que essa imagem me veio tão forte assim, me surpreendendo até, e com enorme prazer, muito pelo fato de ter me sentado aqui com vontade com o firme propósito de escrever sobre leitura.
Já brinquei disso muitas vezes utilizando diversas palavras e é sempre legal porque sempre confere asas à imaginação. Por exemplo, pensei agora, nesse momento, na palavra cadeira. E olha só o que vem à cabeça? A imagem lá de casa quando eu era solteiro, na sala de jantar, família reunida, aquele mundo de irmãos e meu pai na cabeceira. Dei por falta da mãezinha e ainda de olhos fechados a encontrei chegando na sala com seu sorriso santo doce passando de lado pelo seu lugar ainda vago e trazendo nas mãos um prato a oferecer.
Pense também você em uma palavra qualquer, na cadeira se assim quiser. Aposto que o objeto por você pensado não virá só, estará sempre inserido em uma ambiente, em uma época. Esse objeto vira nave, é só veículo. Essa simples brincadeira que inventei pra mim desde pequeno me fez voar para tantos lugares e situações que nunca existiram na realidade, como também para dentro de mim.
Às vezes, e quantas, desembarco logo da viagem ao perceber que a palavra me trouxe preocupações das mais diversas ou cenas que não quero rever por diversas razões. Ou que me trazem ansiedade por demais ou dúvidas cruéis como são muitas delas.
Às vezes a palavra traz um astral muito lindo e louco e esqueço de qualquer sufoco e vejo que a vida é linda, que é breve mas que é festa e que a hora sempre é essa de brincar e estar no mundo, inteiro no devaneio, inteiro na verdade de mim e de tudo.
E pensando em leitura no sentido pão pão queijo queijo, na obviedade de seus benefícios, ela nos confere letramento, quem lê, lê melhor a si, o outro, o seu entorno, lê melhor a vida, o mundo. A leitura aumenta a autoestima, educa, orienta, confere novos rumos, amplia horizontes, dá razão de ser e possibilita o acontecer.
Certamente teremos uma sociedade mais feliz, mais realizada, mais pacífica, mais interessante e interessada, questionadora, vibrante, irrequieta, buscante, quando as pessoas desde a mais tenra idade até os mais velhinhos que há começarem a brincar com as palavras, a mergulhar nos livros, nos textos, nos contextos—pular cordas com as entrelinhas—e pelas páginas viajar asas que são da imaginação.
Mas como é que esse texto começou mesmo? A gente brincou, trocou palavra, viajou, voltou... deixe eu mexer o mouse aqui pro ratinho apontar a primeira linha. Peraí, um segundo só, o ratinho parou na palavra queijo, queijo. Ah... cheguei lá. É, começamos assim. “Muitas pessoas e governos não conseguem dissociar leitura de alfabetização.”
Álvaro Ottoni , escritor
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