Ponto de Vista - 20/03/2013

terça-feira, 19 de março de 2013
por Jornal A Voz da Serra

No final do século passado, durante a fase de transição desde a era das mídias tradicionais, tais como a televisão aberta e o cinema, para a chamada convergência no campo da informática, houve significativas mudanças de comportamento por parte do público e um profundo hiato, cuja consequência principal foi a crise da iniciativa privada na área cultural e o fechamento das grandes salas de teatro e de cinema, sobretudo nas cidades do interior. Em Nova Friburgo, ao longo de alguns anos, ficamos sem o Teatro Leal e os cinemas Eldorado, São José e Marabá, espaços que, juntos, representavam mais de 3.000 assentos – isso numa época em que a população era a metade da de hoje.
Mais de uma década se passou e novos ares levaram o município a projetar a construção de um teatro de verdade, em condições de receber produções profissionais e de dar conforto ao público. O descrédito dos produtores culturais em relação ao poder público, como consequência da total ausência de políticas culturais, fez com que os projetos passassem a ser levados apenas nos poucos equipamentos privados existentes (tais como o Teatro Barão de Nova Friburgo, no Country Clube, por exemplo). Esse afastamento permitiu que o monumental projeto arquitetônico do Teatro Municipal fosse elaborado sem levar em conta alguns critérios técnicos significativos, tais como tamanho e altura da boca de cena e do urdimento, além do desnível entre o palco e a plateia, tornando o resultado aquém do que se poderia esperar. Contudo, mesmo sob tais ressalvas, hoje a cidade possui um teatro público profissional.
Semana passada, por mais de dois terços, a Câmara de Vereadores aprovou proposta para se dar o nome do falecido jornalista Laercio Rangel Ventura ao espaço, o que, denotando certa falta de assunto, vem revolvendo os espíritos de alguns setores culturais. Por envolver espaços e recursos públicos, é natural que o tema desperte polêmica, eventualmente de inspiração política: também foi assim no Rio de Janeiro, no final da década de 1950, quando da adoção do nome do jornalista Mário Filho, irmão do dramaturgo Nelson Rodrigues, ao Estádio do Maracanã, sob veementes protestos insuflados por Carlos Lacerda; trinta anos mais tarde, a mudança do nome da Rua Montenegro para Vinicius de Moraes suscitou ferozes discussões sobre a possível descaracterização de Ipanema; também houve agudíssimos muxoxos da turma do sereno contra a ideia lançada por Danuza Leão para dar o nome do maestro Antonio Carlos Jobim ao Aeroporto Internacional; semelhantes movimentos se viram, uma década depois, na colocação da estátua de Zózimo Barrozo do Amaral no Posto 12, e ainda recentemente, na criação do Largo Millôr Fernandes, no Arpoador. O tempo mostrou que tais iniciativas se inserem no conceito de prática comum e agregam a funcionalidade destes espaços.
A ficha técnica de produção de todo projeto artístico envolve inúmeros parceiros e, neste contexto, a publicidade, o apoio e a divulgação, amplamente praticados e incentivados por Laercio Ventura ao longo de meio século, através de um órgão que se confunde com a nossa história cultural, fizeram e fazem a diferença em Nova Friburgo e região.
Por esta razão, considero coerente e acertada a escolha do nome de Laercio Ventura, marcando na história um fiel parceiro, que por toda a vida esteve não somente “ao lado”, mas do mesmo lado da produção cultural.
Felizmente, hoje há mecanismos públicos de incentivo e de proteção à produção cultural, dentre os quais podemos contar com o Conselho Municipal de Cultura, de quem se espera firmeza nas suas vastas atribuições e responsabilidades na difusão da economia da cultura, na importância do patrocínio e do mecenato, inclusive no trâmite do projeto de Lei Carlito Marchon de Incentivo à Cultura, buscando viabilizar uma verdadeira proposta de política cultural para o Município, com o fomento às artes e à promoção do patrimônio cultural, a adequada aplicação dos recursos públicos destinados à cultura e ao financiamento de projetos culturais, bem como a fiscalização das atividades culturais promovidas pela Prefeitura Municipal.
A escolha do nome do teatro passa muito ao largo do principal desafio dos produtores, que é difundir a cultura do patrocínio como a melhor forma para se dar sustentabilidade e profissionalismo aos grupos de criação artística, e de afastar a percepção geral de que é muito raro levantar projetos patrocinados segundo as leis de incentivo fiscal em Nova Friburgo. 
A homenagem em si merece respeito, uma vez que foi aprovada pela ampla maioria dos representantes eleitos pelo povo, e por esta razão parece ter sido aceita de bom grado pelos familiares do homenageado, que jamais a haviam reivindicado ou sugerido. Aliás, respeito é bom e todo mundo gosta.
Marcelo Quintanilha Salomão
(Advogado, consultor da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro e membro da Comissão de Direito Autoral, Direitos Imateriais e Entretenimento da Ordem dos Advogados do Brasil-RJ)

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