Ponto de Vista - 08/068/2013

segunda-feira, 10 de junho de 2013
por Jornal A Voz da Serra
Ponto de Vista - 08/068/2013
Ponto de Vista - 08/068/2013

O embate entre os direitos da personalidade, de aspecto privado, e o direito à informação, de caráter público. "É exatamente o caráter público do direito à livre circulação das informações artísticas ou históricas que vem animando muitos ativistas a suscitarem a necessidade de alteração legislativa, em especial dos artigos 20 e 21 do Código Civil que, entre outras regras, exigem prévia autorização para a exposição da imagem da pessoa, assegurando a inviolabilidade da sua privacidade”, diz o doutor Marcelo Quintanilha Salomão, em seu Ponto de Vista deste sábado. Ele é graduado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Uerj, membro Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB/RJ, e consultor jurídico da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro – APTR.

 


Quinze minutos de fama

 

Marcelo Quintanilha Salomão

No carnaval deste ano, a Acadêmicos do Salgueiro levou para a Sapucaí um enredo sobre a fama e, logo atrás do carro abre-alas, um grupo de múmias egípcias, "as primeiras celebridades” da história da humanidade. Traçando um paralelo entre a civilização que viveu há mais de 3.000 anos e a cultura da pós-modernidade, a escola de samba pontuava que os meios de comunicação podem ter evoluído muitíssimo, mas de maneira geral (e há milhares de anos) o ser humano é sempre o mesmo, ávido por reconhecimento e notoriedade.

Não faz muito tempo, as pessoas comuns tiravam e revelavam as suas próprias fotografias e depois cuidadosamente as enfileiravam em álbuns, quase sempre relegados ao âmbito privado em prateleiras e armários. Hoje, o sujeito ainda está no meio de um jantar com amigos e sua foto nesse mesmo jantar já pode estar sendo curtida milhares de vezes pelo mundo, nos instagrams e facebooks, antes mesmo da sobremesa. 

Como profetizou Andy Warhol, nem que seja por quinze minutos, o direito a ser celebridade, outrora restrito a Jackies e Marilyns de revistas, tornou-se artigo popular. De fato, ao longo da história, as pessoas se habituaram a ver devassadas as próprias intimidades e, como seria natural, também desejam amplo acesso à intimidade alheia que, por sua vez, pode envolver altas cifras e interesses, sobretudo quando se refere às vidas de pessoas notórias, tais como governantes, artistas, esportistas, milionários ou ex-milionários, membros da nobreza e famosos em geral.

 Diante desta concepção tão típica dos nossos tempos, surge um ponto de interrogação entre o direito à informação e o direito à privacidade, ambos preceitos de natureza constitucional. A Constituição da República, em seu art. 5º, incisos V e X, garante o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas; já os incisos IV, IX e XIV do mesmo dispositivo garantem a todos liberdade de pensamento e de expressão.

Para juristas como o brilhante professor Luis Roberto Barroso, sabatinado e aprovado esta semana pelo Senado Federal e que em breve será empossado ministro do Supremo Tribunal Federal, a colisão de tais princípios deve ser objeto de critérios de ponderação, em conjunto com os demais princípios da Constituição Federal.

Em linhas gerais, o que está em jogo na atualidade é o embate entre os Direitos da Personalidade, de aspecto privado, e o Direito à Informação, que possui caráter público. É exatamente o caráter público do direito à livre circulação das informações artísticas ou históricas que vem animando muitos ativistas a suscitarem a necessidade de alteração legislativa, em especial dos artigos 20 e 21 do Código Civil que, entre outras regras, exigem prévia autorização para a exposição da imagem da pessoa, assegurando a inviolabilidade da sua privacidade.  

 Tais conceitos têm sido frequentemente submetidos à consideração popular e também ao crivo do judiciário, que ainda não firmou posição uniforme a respeito. Em contendas de grande repercussão, as biografias de Garrincha ("Estrela Solitária”, escrita por Ruy Castro), de Roberto Carlos ("Roberto Carlos Em Detalhes”, escrita por Paulo César de Araújo) e de Guimarães Rosa ("Sinfonia de Minas Gerais — A vida e a literatura de João Guimarães Rosa”, escrita por Alaor Barbosa) foram apreendidas ou tiveram sua comercialização vetada pela Justiça, sempre tendo por base alegada lesão aos direitos da personalidade dos retratados e ausência de sua prévia autorização ou de seus sucessores.

Em recente declaração ao repórter André Barcinski, da Folha de São Paulo, o empresário de Roberto Carlos, Doddy Sirena, resumiu em poucas palavras um argumento de peso: "Fazemos isso em situações que não configuram uma homenagem ao Roberto, mas em casos que usam a imagem dele para ganhar dinheiro”. Como se vê, entra em cena um terceiro e muito importante elemento: o vil metal.

Sob tal aspecto, é bastante razoável que os retratados achem que o direito à privacidade deve prevalecer em detrimento ao direito à informação e que as suas imagens e vidas privadas não podem ser exploradas comercialmente por terceiros sem sua prévia autorização. Neste sentido, parece inimaginável que aspectos da intimidade, mesmo verdadeiros (ou quem sabe falsos), ligados à vida e à carreira de um pop-star internacional como Roberto Carlos possam ser publicados para beneficiar economicamente apenas o autor da obra biográfica, frustrando ou impedindo a exploração destes mesmos direitos pelo seu legítimo titular.

Neste climão de ponderações e princípios, ainda se ouve ao longe a voz rouca da magnífica Cacilda Becker, quando lhe pediram certa vez que cedesse seus direitos gratuitamente: "Não me peça para dar de graça a única coisa que tenho para vender”...

A notoriedade de uma pessoa constitui verdadeiro patrimônio, economicamente avaliável. É incontroverso que a utilização de um patrimônio privado, sem autorização, constitui violação a esse direito de propriedade e, ao menos por ora — à parte resmungos aqui e acolá —, permanecem em vigor os referidos dispositivos do Código Civil.


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