Neste fim de semana, mulheres que saírem de casa para aproveitar a noite em casas noturnas de Nova Friburgo vão pagar menos ou entrar de graça. Basta colocar o nome em listas online. Já os homens desembolsarão o valor integral do ingresso. Curtir um sertanejo, por exemplo, em uma dessas baladas, vai custar R$ 20 para eles e nada para elas chegando até meia-noite. Para uns, questão de "justiça". Para outros, puro machismo.
“Damos essa vantagem para atrair as mulheres. A maioria das casas faz isso, há muito tempo, para não perder espaço no mercado”, diz Vanilda de Moraes, uma das sócias do Girassol Music Bar, no Bairro Ypu. Com mais de 20 anos de experiência no setor, ela resume a estratégia: “Em geral, o homem consome mais do que elas. Se não houver mulher, eles simplesmente vão embora”.
Esse costume nas festas brasileiras, porém, foi proibido pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça, que, em agosto, publicou uma orientação para bares, restaurantes e casas noturnas interromperem a cobrança diferenciada em eventos, festas e shows. A medida foi tomada depois que a juíza Caroline Santos Lima, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, considerou a prática ilegal.
Em junho, a magistrada analisou um pedido de um estudante que processou uma empresa por ter se recusado a vender para ele ingressos para um show em Brasília pelo mesmo valor cobrado de mulheres. A meia-entrada masculina era R$ 220 e a feminina, R$ 170. Para a juíza, a prática é uma afronta sutil e velada porque incentiva a presença da mulher como atrativo para homens ao evento. “Não pode o empresário-fornecedor usar a mulher como ‘insumo’ para a atividade econômica, servindo como ‘isca’ para atrair clientes do sexo masculino”, sustentou.
Na decisão, Caroline marcou uma audiência de conciliação entre o estudante e os organizadores do evento em Brasília e determinou que o Ministério Público do DF investigasse a cobrança diferenciada. Devido à repercussão, a Secretaria Nacional do Consumidor publicou a orientação para o setor.
Pouco tempo depois, porém, o juiz Paulo Cezar Duran, da Justiça Federal de São Paulo, autorizou a cobrança de preços diferenciados para homens e mulheres nas baladas do estado. Ele analisou uma ação movida pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e entendeu que o governo deve intervir o mínimo possível na vida das pessoas e que a diferenciação de preços pode aumentar a participação das mulheres no meio social.
A Secretaria Nacional do Consumidor recorreu da decisão do juiz de São Paulo e orientou os Procons a não iniciarem a fiscalização nas casas de eventos até que a liminar seja revogada ou que saia uma decisão definitiva sobre o caso para evitar desequilíbrio concorrencial entre estabelecimentos. O Procon de Nova Friburgo também não fez fiscalização sobre a prática nos último meses.
Contra e a favor
Dono da antiga Chopperia Mais Um, uma das casas noturnas de maior sucesso em Friburgo, Alexandre Cola disse que produtores de evento devem cumprir a lei, se a cobrança diferenciada for de fato proibida. Mas, para ele, esse tipo de promoção beneficia ambas as partes - homens e mulheres. O empresário também afirma que a medida pode reduzir a frequência de mulheres nos eventos, afetando as casas noturnas, especialmente aquelas com dificuldades financeiras.
“Não vejo discriminação. Isso é feito para estimular as mulheres a irem para as casas noturnas. Elas não vão pagar ou pagarão entrada mais barata. Os homens serão beneficiados porque vão estar numa festa onde terá uma enorme presença feminina. Isso diminui a incidência de confusão nas festas. Os homens, quando saem, querem ter um local onde possam paquerar, conhecer pessoas. Muito mais do que as mulheres, inclusive”, disse Cola, que atua no setor há 17 anos.
Já a professora universitária Kelly Cristina Oliveira é a favor da proibição da cobrança diferenciada. Para ela, se a mulher não paga, é porque não é vista como público, mas como atração para o público. “Ela passa a ser mais um produto da casa”, critica, acrescentando que é preciso desmistificar a ideia de que a mulher não tem condições de pagar, apesar de, em alguns casos, homens ganharem mais do que elas. “Mais importante do que recomendar que a casa de show cobre igualmente pela entrada das mulheres é conscientizá-las da objetificação feminina, de modo que, quando a casa de show a utilize como produto, ela não vá, não frequente e não se coloque no lugar de objeto. Nada melhor do que frequentar lugares onde você é apenas a pessoa que se diverte e sorri e não aquela que fica a noite inteira gerando lucros por ser abordada por alguém que a vê como o brinquedo da noite”, defende.
Enquanto a polêmica vara as madrugadas, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que pode proibir, de vez, a variação do preço de entrada e de consumação em boates e eventos com base em sexo, gênero ou identidade. O texto do deputado federal Marcelo Squassoni (PRB/SP) prevê punição para empresas que descumprirem a regra, com multa de até 500 vezes o valor do maior ingresso, interdição e cassação da licença do estabelecimento. O projeto está em fase inicial de tramitação no Congresso.
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