A carreira como modelo plus size da friburguense Jéssika Lima começou com um catálogo de lingerie em 2015. Pega de surpresa pelo convite, a jovem de 27 anos, 1,63 de altura e manequim 46, abraçou a vocação e em menos de três anos conquistou o Miss Plus Size Carioca e depois o segundo lugar no concurso nacional. Toda essa representatividade mudou não só os planos de Jéssika - que se formou em administração e antes nem cogitava a possibilidade de desfilar, tampouco ser a imagem de grandes marcas do setor de vestuário - mas também a sua concepção sobre o seu corpo e sua beleza.
AVS: Como começou a sua carreira como modelo?
Jéssika: Uma amiga que fotografava moda plus size me indicou, disse que eu tinha o perfil. Fiquei um pouco relutante, mas fui. Não tinha nenhuma expectativa, já que achava que nunca poderia ser modelo. Inclusive acreditava que só seria realmente bonita quando emagrecesse. Depois do primeiro catálogo foram várias as indicações que tive para outros trabalhos e assim comecei a seguir a carreira. Me tornar modelo foi uma das coisas que mais me ajudou a melhorar a minha autoimagem e a autoconfiança.
Em 2017 você venceu o Miss Plus Size Carioca. Como foi passar a coroa este ano?
Foi uma sensação de dever cumprido, o que dá a certeza de que vamos continuar o legado e seguir ajudando, cada vez mais, a quebrar padrões, para que e as mulheres se amem da forma que são. Porque a beleza não está no manequim que você veste, é muito mais que isso. A beleza vem de dentro de cada uma de nós.
Representando o Estado do Rio de Janeiro você ficou em segundo lugar no Miss Plus Size Nacional. Como foi este momento?
O nacional, apesar de não ter ganhado, me proporcionou uma emoção indescritível. É um orgulho para mim chegar tão longe. Foi um grande aprendizado. Antes eu jamais imaginaria, nem nos meus melhores sonhos, que participaria de um concurso de miss, quanto mais ficar em primeiro lugar em um e segundo em outro. É uma felicidade e realização sem tamanho.
Participou de mais algum desde então?
Não. E por enquanto não tenho nenhum outro em vista. Mas não descarto a possibilidade.
Faz planos para seguir uma carreira internacional?
Acredito que este seja o sonho de todas que ingressam na carreira de modelo. Não tenho planos concretos, mas não irei perder a oportunidade se ela aparecer futuramente.
Como é para você representar tantas mulheres?
É uma grande responsabilidade e, acima de tudo, uma honra. Além de representá-las, também servimos como inspiração para muitas. Quando recebo mensagem de meninas dizendo que conseguiram mudar a forma que veem seus corpos e a si mesmas, vejo como meu trabalho é gratificante. Saber que eu contribui pra isso, que posso ajudar outras pessoas a enfrentar as dificuldades que também já enfrentei, não tem preço.
Qual conselho você dá às mulheres que desejam ingressar na carreira de modelo e seguir seus passos?
Antes de mais nada, acredite em você, acredite nos seus sonhos! Isso é o principal, pois se nós não acreditarmos em nós mesmos, ninguém mais vai. Se é seu sonho, corra atrás. É muito importante também ter um bom material de trabalho. Procure um bom profissional para fazer um book e depois procure as agências.
O mundo da moda está mais receptivo à diversidade de parâmetros de beleza?
Acredito que sim. Ainda existe um pouco de preconceito, mas estamos conseguindo mudar esses pensamentos. Temos muito o que evoluir para alcançar a toda diversidade, mas já temos uma representação bem grande no mercado. Vejo que ele tem crescido cada vez mais e percebo um aumento significativo na quantidade de lojas que querem atender a todos os públicos. Infelizmente, apesar de toda a evolução, o maior problema ainda está nos preços. As roupas plus sizes ainda são muito mais caras que as de tamanhos padrões e isso é algo que precisa melhorar bastante! E a representatividade nas passarelas também. Apesar da diversidade de modelos em catálogos de moda ter aumentado, ainda é preciso que isso aconteça também nas passarelas.
Como você vê a moda plus size em Nova Friburgo? A cidade está acompanhando as tendências do mercado e se abrindo a esse público?
O crescimento da moda plus em Friburgo ainda é pequeno. Não temos muitas lojas de roupas e as que temos, cobram preços mais altos. Já o mercado de moda íntima está com um grande crescimento nesse setor. As empresas estão acompanhando as tendências e oferecendo não só o básico da lingerie. Temos linhas lindas que antes só chegavam aos "tamanho padrões". No entanto, ainda deixa um pouco a desejar na linha fitness e moda praia. Para essas coleções ainda podemos melhorar muito. Eu, por exemplo, tenho muita dificuldade na hora de comprar biquinis.
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Famosas de bem com a vida, com o corpo e com a moda
Nas passarelas
Falar em ativismo contra a gordofobia é lembrar de Fluvia Lacerda, a brasileira, modelo plus size internacional - inclusive chamada de Gisele Bündchen plus size - que já estrelou diversas campanhas. Ela foi a primeira plus a ilustrar a capa da Playboy nacional (edição de colecionador 2017) e participou de editoriais de moda para a Vogue Italia, Glamour, Joyce Pascowitch, entre outras revistas.
Em uma publicação na sua página na rede social ela se descreve: “Gorda, roraimense/nova-iorquina, leonina, flamenguista, fazendeira, desbocada, desaforada, mãe hoje de 4, apaixonada por um roraimense, com poucos mas os melhores amigos do mundo. Só me arrependo do que não faço. Pouco me lixando pra opinião dos outros. Fazendo o balanço, a vida tá ruim não, mermão”. E o texto já diz muito sobre a personalidade da modelo, não é mesmo?!
Aos 38 anos, com 15 anos de carreira, Fluvia segue firme lutando contra o preconceito e os padrões impossíveis de beleza, quebrando tabus, cobrando a abertura do mercado da moda para as mulheres plus size e proclamando a felicidade e amor ao corpo do jeitinho que ele é.
No ano passado, a modelo e também influenciadora digital lançou uma biografia-manifesto: “Gorda não é palavrão”, pela editora Paralela, onde fala sobre auto-imagem e autoaceitação, traz um pouco das suas conquistas e encoraja as pessoas a se amarem, a amarem seus corpos e valorizarem a saúde e não simplesmente o número do manequim: ”Mesmo quem sabe que peso não é indicativo de beleza, saúde ou caráter, ainda tem dificuldade em superar os valores associados às palavras "gorda" e "magra". Pra quê? Por que permitirmos que "gorda" seja praticamente um palavrão, um insulto?”, questiona ao descrever o livro, que atualmente só está disponível em versão digital.
Nos palcos
Quem acompanha as redes sociais da Preta Gil sabe que ela adora colocar a cara no sol. Seja na praia ou na piscina, em sua galeria são muitas as fotos posando de biquíni tendo ao fundo belas paisagens. Aos 44 anos, a cantora exibe com orgulho seu corpo curvilíneo, sem máscaras ou photoshop: “sem medo de ser quem é”.
Como toda figura pública, ela recebe críticas, mas são os elogios e o reconhecimento de outras mulheres que, assim como Preta, não vestem 36. E a cantora sempre tem um palavra de ordem em suas legendas: “Um corpo bonito é aquele que tem uma pessoa feliz dentro”, escreveu no início da descrição de uma das suas fotos em que posa de topless e calcinha na sacada de uma pousada de frente para o mar.
E não tem tempo ruim, se chove a cantora aproveita a quinta-feira de #tbt para postar foto de praia. São inúmeros os comentários de homens e mulheres sobre a autoestima da artista: “Eu adoro quando você aparece assim de bem com a vida. Tem que mostrar esse lindo corpo. Está de parabéns, é uma mulher muito linda com todo respeito Preta Gil”, comenta um seguidor.
Preta ainda inspira muita gente: “Depois que vc postou essa foto de biquíni, me libertei do preconceito que eu tinha com meu corpo. Você é linda. Obrigada”, diz outra seguidora. “Tão linda, vc me inspira, tenho vergonha de colocar biquíni. Vou viajar em agosto e vai ter piscina... vou tentar usar”, diz uma correligionária da cantora.
Inclusive, ela dedica uma publicação feita na piscina, em maio, a todas as pessoas, principalmente as mulheres que escreveram em suas fotos anteriores: “Declarações de amor, respeito, desabafos sinceros e emocionantes. Saibam que chegar no nível de amadurecimento e aceitação que cheguei não foi fácil. Fomos massacradas por uma ditadura que nos dizia que era feio mostrar isso, era feio não ter o corpo magro, e tantas outras imposições. Eu mesma caí nessa armadilha tão cruel, eu também tentei ser quem eu não era e paguei um preço alto”, escreve a cantora sobre amadurecimento, libertação, aceitação e, especialmente, amor próprio.
Na telinha
A atriz, apresentadora e youtuber Mariana Xavier gerencia o projeto chamado “Mundo Gordelícia” nas redes sociais. Seu canal, lançado em 2016 no youtube, conta com mais de 350 mil inscritos. Antes dele, a artista usava outras redes para compartilhar seus sentimentos e os acontecimentos com o público. Nele, ela fala um pouco sobre tudo, de comportamento e moda à saúde e sexo, sempre com muito humor.
No primeiro vídeo publicado, ela esclarece: “Eu sou muito mais do que um número da balança, você também”. E continua: “Sim esse canal se chama Mundo Gordelícia. Não, este canal não é exclusivo para gordos. Para mim pouco importa a sua idade, o seu gênero, orientação sexual, raça, classe social, religião, partido político”. Mas faz uma ressalva: “Embora esse não seja um canal exclusivo para gordas, um aviso: vai ter gorda de biquíni sim, vai ter gorda de shortinho sim e vai ter gorda de branco sim. Deixa eu te contar um segredo: a vida tem possibilidades demais para a gente se deixar resumir por dois ou três dígitos”.
E o projeto cresceu, além de outras contas nas redes sociais. Em 2017, Mariana lançou o livro “Gordelícias”, que escreveu junto com as atrizes Cacau Protásio, Fabiana Karla e Simone Gutierrez. Tudo começou com uma revista feminina que dizia que mulheres acima do peso deveriam ir à praia só se ficassem enterradas na areia com a cabeça de fora. Esse comentário foi suficiente para que o quarteto plus size se manifestasse, realizando um ensaio de biquíni. Depois disso veio o livro de crônicas, onde as quatro contam suas histórias de uma maneira bastante espirituosa.
Felizes com o corpo
Mariana e Fabiana Karla, inclusive, assinam linhas de lingerie e roupas plus size. E não deixam de publicar em suas redes, no caso de Mariana tanto na pessoal quanto na do projeto, fotos de biquíni cheias de incentivo: “Não é a gente que tem que ser gostosa pro verão. É o verão que tem que ser gostoso pra gente”, legenda Mariana.
“Curta a vida do seu jeito, com suas formas, sem se preocupar com padrões... ‘Esse brilho é meu’, né” [cita a cantora e compositora Iza]. Pra você que estava com o biquíni no fundo da gaveta e louca pra ir à praia. O dia tá lindo! Tá esperando o que?!”, diz Fabiana Karla na legenda de uma foto na piscina, apostando ainda nas hashtags: modaplus, plussize, embrace, entre outras.
Na foto tirada pelo fotógrafo Janderson Pires em que aparece usando apenas uma camisa social, Cacau Protásio fala sobre moda e amor próprio: ”Estou amando me redescobrir a cada dia, sim, eu sou linda, sou sex, amo moda, amaria se a moda fosse pra todos, sem preconceito, com vários tipos de mulheres, eu tenho fé de um Brasil melhor, gosto do que é lindo, eu tenho esse direito”, escreve, acrescentando ainda que não deixou que a imagem fosse editada.
A quarta integrante do grupo de mulheres “felizes com o próprio corpo”, Simone Gutierrez passou do manequim 46 para o 38. Ela conta que a perda de pesa foi em função da saúde e faz questão de afirmar que ser gorda ou magra não mede talento: “Fiquei famosa gordinha”, declarou em algumas entrevistas sobre a mudança da silhueta. A atriz até criou uma página para falar dos tratamentos que lhe permitiram um emagrecimento saudável.
Assim como todas as outras famosas citadas nesta matéria, Simone mantém uma rotina de alimentação saudável e exercícios, afinal, o que está em pauta aqui não é o culto à obesidade, mas sim a quebra de tabus de que ser gorda não é bonito. Existe diferença entre um peso corporal maior, porém saudável e a obesidade mórbida, fruto de má alimentação, sedentarismo ou até mesmo problemas hormonais e transtornos alimentares. Mas esse é um papo para ser desenvolvido com a colaboração de especialistas. No momento, a palavra de ordem é: cuide da saúde e seja feliz com o seu corpo, independente do seu peso, suas curvas, celulites e estrias.
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