Pichador é pichador em qualquer lugar, mas os vândalos que insistem em emporcalhar os muros, tapumes e paredes de Nova Friburgo podem perfeitamente ser classificados como meros lambões. Não chegam nem aos pés dos pichadores paulistanos ou cariocas que, mal ou bem, seguem um estilo que os estudiosos de grafismo até admiram. Além disso, esmeram-se em pichar locais altos e de difícil acesso. Quanto mais alto ou perigoso o lugar, maior o destaque que eles ganham.
Já os friburguenses parecem não estar nem aí para esses detalhes. Picham por pichar, com o único objetivo de sujar o patrimônio público e particular. Interessante: tais afirmações não partem de cidadãos que assumem abertamente sua ojeriza a estas práticas. São os próprios pichadores ou ex-pichadores que classificam os atos como puro vandalismo.
Seja como for, a pichação e o grafite não autorizado implicam pena de detenção de três meses a um ano e multa, de acordo com o artigo 65 da Lei 9.605/98. Na prática, porém, não se sabe de ninguém que tenha ficado preso por ter sido flagrado pichando. É que, na madrugada, quando ganham as ruas com suas latinhas de spray geralmente não há testemunhas. Além disso, os pichadores são, em sua maioria, menores. Como este crime é classificado como de baixo potencial ofensivo, os pais vão até a delegacia, se comprometem a apagar a pichação e o filho é liberado.
Repressão não inibe pichadores
Mas os pichadores temem a repressão, até porque esta é a alma do negócio. “Se pichar fosse liberado não teria graça”, afirma Lucas (nome fictício), morador do Alto de Olaria, que garante já ter pichado muitos muros, paredes e pontes da cidade. A tal graça, segundo ele, estaria na prática de uma coisa transgressora, proibida. “Eu gostava da emoção que sentia ao fazer aquilo, para mim funcionava como uma espécie de droga, aliás, era associado à droga”, admite.
Lucas diz que adorava pichar e gastava um bom dinheiro comprando sprays. Admite, porém, que detestava o resultado de sua arte. Reconhece que, antes de ser uma manifestação artística, aqueles rabiscos toscos enfeiam – e como enfeiam – os prédios e as ruas de Nova Friburgo. Por conta disso, Lucas até evitava passar por perto dos locais onde havia estado na noite anterior. Chegava a sentir vergonha pelos danos causados ao patrimônio público e alheio. Mas remorso é uma palavra que não constava de seu dicionário, assim como da maioria dos pichadores. “Pichar é como um vício, você está sempre com vontade. A gente já sai de casa com um spray no bolso, aí vai pra night e sai por aí dando uns tecos e pichando”, diz Lucas.
Bastam alguns minutos de conversa com ele para entender, ao menos em parte, como funciona a mente de um pichador. Esta galera é movida a adrenalina e revolta. Por isso mesmo, discurso moralista com eles não cola. Quer ver um exemplo? A maioria dos pichadores não gosta de pintar muros de propriedades privadas, e sim, pontes, viadutos, monumentos, estátuas e prédios públicos em geral. Não por consideração ao morador que gastou tempo e dinheiro para embelezar sua fachada, mas porque os donos dos imóveis logo tratam de cobrir seus trabalhos. “É que spray custa caro e pichador não tem dinheiro para sair gastando tinta à toa”, explica Lucas.
Os pichadores se dividem com relação a fachadas de igrejas. Há os que não estão nem aí, picham e ainda acham que dá prestígio. Lucas é um que, mesmo sendo católico, não poupava igrejas no seu tempo de pichador. “Depois que eu pichava, fazia o sinal-da-cruz, rezava um pai-nosso e pedia perdão a Deus”, conta. Simples assim.
Com o tempo, Lucas foi amadurecendo e a mania de pichar perdeu a graça. Depois que conheceu sua atual namorada começou a achar a antiga galera “infantil e sem graça”. Quando saía com os antigos companheiros para pichar não se sentia mais poderoso como antigamente, e sim, inseguro, com medo de ser pego. Foi também deixando as drogas. “Era tudo um pacote só, rebeldia de adolescente”, conclui.
Lucas nos apresentou a um antigo companheiro, que ainda está na ativa. “A gente é vândalo mesmo e com muito orgulho”, resume Marcelo (nome também fictício), de 18 anos, pichador desde os 13. Para ele, pichar é uma forma de expressão e, por isso mesmo, faz questão de caprichar e não apenas de rabiscar, considerando-se mais um grafiteiro que um pichador. “Eu faço isso para me destacar, ter fama, ao menos entre a galera”, diz Marcelo. Embora ele nunca tenha deixado sua marca em prédios altos, como muitos de seus colegas paulistanos ou cariocas, seus traços se tornaram conhecidos pelos pichadores locais. E não apenas por eles. Marcelo já foi pego mais de uma vez pela PM. “Na primeira vez dancei com outros dois moleques, mas fomos logo liberados. Na outra foi mais complicado, porque eu já era maior de idade, mas também não fiquei preso. A repressão só fez aumentar minha vontade de sair pichando. “Me senti desafiado e passei a pichar ainda mais”, admite.
Marcelo não fala para as garotas sobre sua arte, até porque sabe que seria recriminado por elas. “Menina não entende isso, não”, diz. Morador de um condomínio de luxo localizado no centro da cidade, ele é a prova viva de que não são apenas os ditos favelados que picham. Em todas as classes sociais há pichadores – ou grafiteiros, tanto faz. Lamentavelmente.
Cidadãos revoltados
Um morador da Rua Comandante Ribeiro de Barros (antiga Baronesa), no Centro, que não quis se identificar temendo represálias, conta que havia acabado de pintar o muro de sua casa quando, dois dias depois, um pichador resolveu deixar sua marca. “Isso é uma safadeza!”, declarou, alto e bom som.
Ele admite que as pichações são inevitáveis em qualquer cidade, mas vê diferenças “entre os pichadores e arruaceiros que destroem o patrimônio alheio”. Para começo de conversa, lembra, os pichadores de verdade costumam livrar a cara das casas particulares. “Você chega numa cidade como São Paulo ou Rio de Janeiro, com pichações para todo lado, e não vê residências pichadas”, diz. Já em Nova Friburgo isso não acontece. “Eles não estão nem aí, picham em qualquer lugar”, declara.
Para esse morador, só existe um caminho para resolver ou minimizar este problema: repressão. “Mas tem que reprimir pra valer, deixar estes maus elementos presos no xadrez, aí queria ver se eles não aprendiam”.
Maria Luiza Aguiar é arquiteta e, como tal, se preocupa com a estética urbana de Nova Friburgo, cidade que freqüenta desde a infância. “A gente observa como a qualidade de vida daqui está se deteriorando e uma das coisas que venho observando é a imensa quantidade de locais pichados no Centro e até nos bairros, o que não existia até há algum tempo”, lamenta. A solução, a seu ver, passa muito mais pela conscientização que pela repressão. “Não sei como devemos lidar com isso – nem sei como agiria se pegasse alguém com um spray pichando o muro da minha casa ou mesmo um monumento da cidade – mas a maneira com que a opinião pública lida com esse fenômeno não me parece a mais correta e eficiente”, diz.
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