Personagem da partida, Miguel Ruiz relembra a vitória da Seleção Friburguense sobre o Brasil há 60 anos

segunda-feira, 19 de maio de 2014
por Jornal A Voz da Serra
Personagem da partida, Miguel Ruiz relembra a vitória da Seleção Friburguense sobre o Brasil há 60 anos
Personagem da partida, Miguel Ruiz relembra a vitória da Seleção Friburguense sobre o Brasil há 60 anos

Muito além do esporte... 

A série retrata um momento histórico para Nova Friburgo nesta edição. Há exatos 60 anos, a Seleção da cidade vencia o Brasil por 1x0, no estádio Eduardo Guinle. Miguel Ruiz esteve em campo, e compartilha os detalhes da partida e de sua carreira nesta reportagem.

 

Vinícius Gastin

Dezesseis de maio de 1954. Há exatos 60 anos, um jogo marcou a história não apenas do futebol municipal, mas de Nova Friburgo em um contexto geral. Os 138 anos da cidade, à época, foram comemorados no estádio Eduardo Guinle, onde a Seleção Brasileira encerrava a preparação para a Copa do Mundo daquele ano. 

De fato, a partida era o tira-teima de outras duas disputadas anteriormente. No primeiro encontro, o Brasil venceu por 3x2 — Miguel Ruiz e Otacílio marcaram para o time de Friburgo. No segundo treino, nova derrota por 1x0 (gol de pênalti, cobrado por Brandão). A vitória por 1x0, com gol de Jael aos 38 minutos do 1º tempo, na meta à esquerda da Tribuna de Honra, fechou o ciclo de amistosos (alguns historiadores e pessoas presentes ao Eduardo Guinle contestam, e afirmam que o tento foi marcado por Jorge). "Lembro de muitas coisas. Para mim, que havia jogado no Botafogo, era mais uma experiência. Para os colegas era a grande oportunidade, e nós fizemos frente à Seleção Brasileira.” Miguel Ruiz esteve em campo, e relembra a festa e os aplausos dos 25 mil presentes ao estádio do Friburguense (a renda foi de CR$ 90.000,00). "Estavam todos satisfeitos com a nossa vitória.”

Os grandes jornais do país na época consideraram Nova Friburgo como o melhor "sparring” (uma espécie de parceiro de treinos) para o Brasil. A Seleção Brasileira ficou hospedada no Hotel Sans-Souci, onde contava com todas as regalias de hospedagem, alimentação, concentração e estrutura de um clube profissional. Os atletas da Seleção Friburguense, ao contrário, trabalharam durante os dias das partidas e foram liberados antes do horário para estarem em campo. "Eu mesmo trabalhei durante o dia inteiro na Única. Saí às 14h, fui para o campo e mudei a roupa. Muitos jogadores trabalhavam em fábrica e comércio”, relembra o meia.

Durante a passagem da Seleção por Nova Friburgo, Miguel foi convidado por Zezé Moreira e participou do segundo treino do time verde e amarelo na vaga de Luizinho. "Treinei um tempo no lugar do Luizinho porque ele abriu o supercílio. Foi algo que marcou muito”, relembra orgulhoso. Um verdadeiro prêmio a quem brilhou pelos gramados da cidade.


Miguel Ruiz: do Friburgo ao Botafogo

"Eu nunca me esqueço, e foi uma honra para todos nós. Guardo os recortes. De vez em quando eu olho o material e recordo aqueles momentos marcantes.” Nascido em Nova Friburgo em 8 de dezembro de 1923, Miguel Ruiz Garbes é considerado por muito como o maior jogador de todos os tempos da cidade. E o currículo reforça a tese. O ciclo no esporte começa aos 13 anos no time infantil do Friburgo Futebol Clube, em 1937, quando integrou o elenco campeão da temporada. Miguel era um jogador de classe, toques precisos e chute potente. Atuava como meia armador pela direita, e abusava da visão de jogo privilegiada para desmarcar os companheiros de ataque. Sempre tranquilo com a bola nos pés, foi autor de gols decisivos em campeonato diversos. Além das características técnicas, o companheirismo e a disciplina marcaram a trajetória vitoriosa e renderam a maior comenda que um jogador poderia almejar à época: o "Prêmio Belfort Duarte”, de 1962, conferido pela CBD, atual CBF.

Miguel Ruiz desfilava o talento pelos campos da cidade, e desde àquela época era considerado um dos melhores atletas em atividade. Não demorou para despertar o interesse de um grande clube da capital. Em 1943, o time amador do Botafogo esteve em Nova Friburgo para um jogo amistoso e o time friburguense venceu por 3x1, com dois gols de Miguel. Encantado com a atuação, Canella, o técnico do alvinegro carioca, o convidou para jogar pelo Botafogo. Logo na primeira temporada, Ruiz conquistou o campeonato carioca amador, e a oportunidade para atuar pela equipe principal surgiu. Entretanto, apesar da vontade do treinador, o presidente alvinegro ordenou a escalação de Heleno de Freitas. Miguel, talvez, tenha perdido a grande chance de despontar no cenário nacional. Algo que não o incomodou, e apenas reforçou o desejo de retornar para Nova Friburgo. 

"Minha família insistia para eu voltar, e numa noite eu resolvi, preparei a minha mala e fugi do Botafogo. Nunca mais voltei lá. Poderia ter ficado por lá, pois eu estava jogando bem. Jogava com Gonzáles, Heleno, Santa Maria, Zezé Moreira e outros craques”, recorda.

A trajetória de Miguel Ruiz prosseguiu na cidade natal. E o sucesso pode ser comprovado nos 22 títulos conquistados durante a carreira — é o maior vencedor do futebol friburguense, ao lado de Paulo Banana. Foi peça fundamental no tricampeonato do Friburgo entre 1945 e 1947, e posteriormente no hexacampeonato. Entre 1956 e 1963, Ruiz participou de três bicampeonatos do Friburgo, e conquistaria dois títulos da terceira divisão pelo Roqueano Social Clube (1964 e 1965). 

Fidelidade ao Friburgo

O caráter amador não interferia na rivalidade entre os clubes, tampouco na vontade de levantar o troféu de campeão. "A rivalidade era grande entre todos os clubes. Para nós jogadores era gostoso, mas o futebol era diferente. Não havia brigas, e não era tão bruto como hoje em dia”, opina.

A disputa começava nos bastidores. Alguns jogadores ficavam seduzidos com as ofertas, e as negociações, inclusive, aqueciam o mercado de trabalho. Proprietários de comércios e indústrias procuravam os jogadores, e dentre outros benefícios, ofereciam empregos nas respectivas empresas. Vários atletas vieram de outros municípios para jogar futebol em Nova Friburgo, e aqui se instalaram e constituíram as famílias. Uma importância além dos gramados para o desenvolvimento do município.

"Havia muita procura. Antes da época do auge do Friburgo, o Fluminense havia sido tetracampeão e compraram o time do Friburgo inteiro para tentar impedir o hexacampeonato. Ofereceram-me dinheiro e queriam me levar pra lá, mas eu, Portela e Golinha permanecemos. O Binha, que era o técnico, colocou a garotada do segundo time e do juvenil e nós conquistamos o título.”

 

Vitória da Seleção Friburguense marcou o esporte municipal, e

representa um capítulo importante na história do município

 

Ficha Técnica

Nova Friburgo 1x0 Brasil

Data: 16/05/1954 – 15h

Estádio Eduardo Guinle 

Público: 25 mil pessoas

Renda: CR$ 90.000,00

Nova Friburgo: Horst (Esperança), Ivan (Esperança), Leoni (Friburgo), Nilton (Fluminense) e Ivair (Conselheiro); Cleo (Esperança), Arley (Serrano), Otacílio (Fluminense) e Paulo Banana (Friburgo); Miguel Ruiz (Friburgo) e Jorge (Serrano).

Técnico: Virgílio Laginestra (Binha)

Brasil: Veludo (Fluminense), Djalma Santos (Portuguesa), Pinheiro (Fluminense), Salvador (Internacional) e Nilton Santos (Botafogo); Bauer (São Paulo), Julinho Botelho (Portuguesa-SP), Humberto Tozzi (Palmeiras) e Didi (Fluminense); Índio (Flamengo) e Maurinho (São Paulo).

Técnico: Zezé Moreira

 

Vitalidade que impressiona

Aos 92 anos, Miguel Ruiz jogou futebol até os 85

A lucidez e a vitalidade de Miguel Ruiz impressionam. Aos 90 anos de idade, ainda é capaz de relembrar a maioria dos momentos marcantes do futebol amador. Algumas passagens, como a participação em um treinamento da seleção brasileira ao lado de Nilton Santos, a parceria com Zizinho em jogos amistosos — ambos vestindo a camisa do Friburgo — e tantas outras histórias escritas ao longo dos 42 anos de atividades são contadas nos mínimos detalhes.

Dono de uma memória privilegiada, Miguel esbanja saúde. Ainda hoje dirige solitariamente para Niterói e outras cidades do litoral fluminense. Até 2010, participava regularmente das tradicionais peladas no Nova Friburgo Country Clube, no campo de futebol society que leva o seu nome desde de 18 de abril de 1993. "Parei há quatro, por conta da labirintite, e no Country não tinha mais tanta gente pra jogar pelada. Se não tivesse esses problemas eu estaria jogando, pois a minha maior paixão é o futebol.”




CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS:
Publicidade