Alerrandre Barros
Herculano Pacheco terminava a construção das vigas que darão suporte à laje de um sobrado na Rua José da Costa Cabral, na Ponte da Saudade, quando escorregou, caiu de um andaime e quebrou o tornozelo do pé esquerdo. O pedreiro, de 53 anos, foi levado para a emergência do Hospital Municipal Raul Sertã, em Vila Nova, e ficou internado na unidade médica durante todo o mês de fevereiro. Ele ia passar por um procedimento cirúrgico, mas a demora causada pela falta de uma placa para o calcanhar provocou a calcificação do osso do pé de Herculano. O pedreiro foi liberado pelos médicos, voltou para casa com o pé engessado e com a informação de que terá, provavelmente, dificuldades para caminhar.
No dia em que o acidente aconteceu, na sexta-feira, 30 de janeiro, Herculano foi para o hospital, mas achou melhor voltar para casa para tomar um banho. No dia seguinte, ele foi internado e colocaram uma tala no pé dele. De acordo com o pedreiro, um ortopedista foi vê-lo duas semanas após a internação. "Nos primeiros 15 dias que fiquei no hospital não chegou nenhum médico para falar comigo. Depois que a tala começou a incomodar, chamaram um médico. Mas ninguém falou comigo”, disse o pedreiro, sentado em uma pedra em sua casa, na Ponte da Saudade.
Os irmãos de Herculano começaram a cobrar a direção do hospital após o vigésimo dia de internação. Segundo José Roberto Folly, irmão do pedreiro, os médicos disseram que o caso era cirúrgico e que o procedimento tinha que ser feito com uma placa de calcâneo, em vez de fio de aço. "Eles não quiseram falar, mas eles não tinham a tal placa para o pé dele. Um médico chegou a dizer que o pé poderia infeccionar se usassem o fio”, disse Folly. Na sexta-feira, antes do carnaval, a direção do hospital tentou transferir Herculano para o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), no Rio de Janeiro, mas o paciente não foi aceito pela unidade porque, segundo Folly, o Into só faz "cirurgias de alta complexidade”.
Após muita pressão da família, a cirurgia foi finalmente marcada para a segunda-feira, 2 de março, mas o procedimento não foi realizado porque o osso já estava calcificado. "No domingo, de 22h em diante, me deixaram em jejum direto até a segunda-feira, às 11h. Aí eu liguei para minha irmã e disse que não podia tomar nada, nem comer nada. Ela veio e foi falar com a enfermagem. Eles me pegaram e me levaram para a sala de cirurgia. Lá, o médico avaliou meu pé, disse que iam fazer a cirurgia com fio, em vez da placa, mas depois falaram que o pé já estava calcificado e não havia necessidade de fazer cirurgia. O problema é que não sei se calcificou direito. Eles colocaram um gesso no meu pé e me pediram para voltar daqui a três semanas”, contou Herculano.
Além da demora na realização da cirurgia, o irmão do pedreiro reclama que a equipe médica não deu detalhes sobre o procedimento cirúrgico e como será o tratamento. "Não explicaram nada para nós da família. Eles deveriam pegar o exame e mostrar para a gente, explicando como está e por que não iriam operar o pé dele”, reclama José Roberto, que conseguiu o prontuário do pedreiro uma semana depois. A família procurou auxílio junto à Comissão de Saúde da Câmara Municipal e também deve entrar com uma ação judicial no Ministério Público.
Herculano é casado e tem um filho de nove anos, que depende de remédios psicotrópicos. Ele gasta todo mês ao menos R$ 320 com estes medicamentos, que segundo ele, não são disponibilizados pelas farmácias municipais. Na semana passada, o pedreiro conseguiu o auxílio-doença da Previdência Social, que vai ajudar a custear parte das despesas da família até agosto deste ano. "Para mim, foi falha médica ou do hospital. Não é possível uma pessoa ficar 31 dias esperando uma cirurgia”, disse. Por causa do gesso e das dores que sente no pé, Herculano depende de muletas e tem dificuldades para caminhar. O médico receitou Dipirona para amenizar as dores.
Costureira segue internada
O caso de Maria Aparecida Ramos, de 48 anos, é ainda mais grave. Há cerca de quarenta dias, ela está internada no Raul Sertã esperando a realização de uma cirurgia no intestino. A costureira sofre há pelo menos três anos de Mal de Crohn, uma doença inflamatória séria do trato gastrointestinal. O Crohn se manifesta predominantemente em homens e mulheres em idade adulta e afeta a parte inferior dos intestinos delgado e grosso, mas pode afetar qualquer parte do sistema gastrointestinal. Desde 2012, Maria fazia um tratamento na rede pública de saúde com dietas e medicamentos para amenizar as dores e as diarreias constantes e retardar o avanço do problema, com a expectativa de que a cirurgia fosse agendada pelo hospital. No entanto, no início de fevereiro deste ano, a costureira começou a ter febre, a barriga inchou e o intestino rompeu, a tal ponto que as secreções vazaram pela cicatriz da cesariana feita anos atrás, e também pela urina. "Ela foi internada em estado gravíssimo no hospital”, disse Úrsula Cavadas Ramos, cunhada da costureira, em entrevista pelo telefone.
Desde o início da internação, a costureira já perdeu mais de dez quilos e segue aguardando o procedimento cirúrgico, que, segundo Úrsula, ainda não foi realizado pelo hospital por falta de estrutura. "Para mim eles acham que é um ‘pepino’ muito grande, porque eles não têm equipamentos, a estrutura necessária para fazer a cirurgia. Por que, então, eles não transferem minha cunhada para outro hospital?”, questiona a bancária de 44 anos.
Úrsula conta que, no período da internação, a equipe médica cogitou dar alta para Maria para que ela, por conta própria, procurasse o ambulatório do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Fundão), no Rio de Janeiro, para agendar a cirurgia. "Quando eles têm um problema, eles dão alta. Como é que uma pessoa nesse estado vai pegar um ônibus e parar no Fundão atrás de uma cirurgia? O hospital é que deveria conseguir a transferência e enviá-la numa ambulância para lá”, disse a bancária, aparentemente esgotada com a situação.
Há duas semanas, Maria foi ao Hospital Universitário Pedro Ernesto, também no Rio, e passou por uma bateria de exames. Segundo Úrsula, o médico que atendeu a costureira enviou à equipe do Raul Sertã um laudo em que orienta que hospital mude a dieta de Maria, porque ela estava anêmica e desnutrida. "Minha cunhada está ‘pele e osso’. É muito triste”, disse a bancária, que, cansada de esperar, também procurou ajuda na Câmara Municipal.
Maria é casada, tem dois filhos e está desempregada desde 2012 por causa da doença que a impedia de trabalhar por conta das dores. Ela não tem condições de pagar a cirurgia.
A reportagem de A VOZ DA SERRA entrou em contato com Secretaria Municipal de Saúde na segunda-feira, 16, que informou, por meio de nota, que iria averiguar as informações no prontuário sobre o caso de Herculano. "De qualquer forma, já podemos informar que a espera de 15 dias para ser atendido por um médico não procede. Se o paciente em questão chegou ao Hospital pela urgência, ele foi prontamente atendido e visitado por ortopedistas de plantão. O Hospital conta com 21 médicos ortopedistas”. Ontem, 20, a Secretaria de Saúde informou que na segunda-feira, 23, enviará as respostas sobre os dois casos.
OUTROS CASOS
- O aposentado e deficiente visual Francisco José Venturino, de 49 anos, mora na Chácara do Paraíso e tenta, desde 2013, marcar cirurgia para a vesícula.
- A aposentada Edimar Baltazar tem 84 anos, mora em São Jorge e há dois não consegue operar a catarata e um cisto nos olhos. Ela foi encaminhada para um hospital em Niterói, mas não aguentou a viagem. As filhas dela, Ruanita Baltazar, 46 anos, e Áurea Baltazar, 45 anos, estão, desde 2012, na fila para cirurgia de cisto no útero e hérnia, respectivamente. A família já acionou a Justiça.
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