Parque das Flores: 30 meses de ocupação irregular

Dezenas de famílias vítimas da tragédia que moram no conjunto habitacional até hoje não receberam a posse dos imóveis
quarta-feira, 06 de junho de 2018
por Alerrandre Barros (alerrandre@avozdaserra.com.br)
O conjunto habitacional Parque das Flores: regularização ainda sem data (Fotos: Henrique Pinheiro)
O conjunto habitacional Parque das Flores: regularização ainda sem data (Fotos: Henrique Pinheiro)
Dois anos e meio depois da ocupação de casas populares no Parque das Flores, no distrito de Conselheiro Paulino, famílias ainda não receberam os documentos de posse dos imóveis e continuam vivendo em situação irregular e precária. O fornecimento de energia elétrica e água continua clandestino.

"É uma humilhação não ter nem mesmo o transporte"

Leir, morador cadeirante

“O que eu mais quero é morar aqui de forma correta”, disse a dona de casa Vera Lúcia de Lima, de 60 anos, que vive no conjunto desde o início da ocupação. “Os assistentes sociais da prefeitura vieram aqui no ano passado, atualizaram nosso cadastro, mas ainda sabemos quando iremos receber o documento da casa”, disse a moradora.

Vera (foto) morava com os filhos em Furnas. Em 2011, a casa dela foi atingida como tantas outras pelas chuvas da tragédia climática. Ela teve que se mudar e, sem apoio do governo, começou a pagar aluguel, até que adoeceu e se afastou do trabalho. Vivendo apenas com uma pensão paga pela Previdência Social, Vera foi morar no Parque das Flores poucos meses após o início da ocupação.

“Eu não tinha mais condições de pagar o aluguel e os remédios que tomo. O morador que vivia aqui na casa decidiu sair e, como conhecia a minha situação, me ofereceu a casa. Fizemos algumas melhorias. Meu ex-patrão me ajudou a construir um muro atrás da casa. Quando chovia, entrava água barrenta. Isso acontece em outras casas. Ganhei também parte do forro para o telhado. Venta muito e faz muito frio aqui”, disse nesta terça-feira, 5.

Na porta de outra casa, na mesma rua, Leir Monteiro aponta para a quantidade de lixo espalhada pelos cachorros. Há muitos no Parque das Flores. “A EBMA faz a coleta três vezes por semana, mas os moradores também não colaboram. Não colocam os lixo nas lixeiras direito. Os cachorros fazem uma bagunça. O mau cheiro chega à minha casa”, disse o aposentado.

Cadeirante, vítima de um acidente de trânsito que paralisou suas pernas, Leir (foto) foi morar no Parque das Flores com a mulher, há dois anos, porque também não tinha condições de pagar aluguel. Com a aposentadoria que recebe, ele paga os caros remédios que toma todos os dias e se queixa da carência de transporte público no bairro.

“Por muito tempo, desci e subi esse morro com minha esposa empurrando a cadeira de rodas. Amigos, às vezes, nos ajudavam. É uma humilhação não ter nem mesmo o transporte. Há outros cadeirantes, além de crianças e idosos que moram aqui”, observa ele.

Enquanto ele falava das dificuldades que enfrenta, Gilcineia Penha subia o morro com a filha, de poucos meses de vida, na colo. “É verdade. Não temos ônibus. Foram retirados vários horários (das linhas Centro-Furnas e Centro-Alto do Catete, ambos via Parque das Flores). Não temos mais o horário das 6h. Os trabalhadores precisam descer e pegar o coletivo lá embaixo. Imagina quando chove?”, conta a moradora.

Construídas para vítimas da catástrofe, as casas do Parque das Flores têm 38 metros quadrados, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Parte foi entregue aos beneficiários. O restante, porém, ainda não contava com acabamento nos terrenos e fornecimento de energia elétrica e água potável quando famílias decidiram ocupá-las em janeiro de 2016, durante o governo Rogério Cabral.

Na época, a Secretaria Municipal de Assistência Social esteve no local e constatou que poucas pessoas tinham, de fato, direito a um dos imóveis. Dias depois, a Procuradoria Geral do município entrou com uma ação na Justiça pedindo a reintegração de posse. No dia 27 de janeiro, o juiz Fernando Luís Gonçalves de Moraes, da 2ª Vara Cível de Nova Friburgo, concedeu liminar determinando a desocupação dos imóveis, se preciso com auxílio de força policial, em até 15 dias.

Na mesma semana, a Defensoria Pública entrou com recurso pedindo que as famílias não fossem retiradas à força dos imóveis. O recurso, no entanto, foi negado por desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), por unanimidade. A decisão do juiz de Nova Friburgo, porém, nunca foi cumprida.

Em meio à ocupação, em agosto de 2016, uma empreiteira contratada pela Secretaria Municipal de Obras retomou as obras no entorno das casas que haviam sido ocupadas. Os operários construíram muros, escadas, padrões de energia elétrica e também instalaram alambrados e colocaram grama no entorno dos imóveis. Para moradores, faltou a construção de um muro atrás das casas.

Procurada esta semana, a Secretaria de Assistência Social informou que realizou novo levantamento no ano passado e constatou que as famílias que moram nas casas possuem o perfil para a moradia popular. “Nenhuma família está, atualmente, em fila de espera daquele projeto. Sendo assim, o município já está trabalhando na legitimação da posse dessas famílias”. O governo não disse, porém, quando isso deve acontecer.

 

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