Para quem florescem as quaresmeiras

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
por Jornal A Voz da Serra

Alda Maria de Oliveira*
O dia em que se foi amanheceu assim. Nem era sol, nem era chuva: só de ausências. O ar pesava em luto. Deslocar-se na avenida principal da cidade em direção à Câmara de Vereadores pareceu um caminho longo demais, de uma duração estranha, não real.
Lá dentro, coroas e coroas as mais várias que a terra das flores pode produzir em muitas, muitas cores. De amigos, de organizações, de clubes e de todo um universo que foi dele.
Aí era atravessar o mar de pessoas, um oceano de murmúrios, de homens de ternos escuros quebrando o verão das roupas leves e de mulheres em roupas leves escuras. Tudo escurecido.
O caixão, onde repousava, foi coberto por muitas bandeiras: as escolhas de um homem que atravessou o século passado e abriu o século presente escolhendo.
Enquanto rezava por sua saída do meio de nós e pedia consolo para os seus familiares desolados pensei na fragilidade do ser humano, naquele momento em que o mesmo ar que fez um dia a criancinha aspirá-lo pela primeira vez, encher seus pulmões e soltar seu grito feito choro, primeiro e esperado choro agora se transformava no último suspiro e pronto: a vida se foi. Para Deus, o Grande Pai, devolveu-lhe a alma, o espírito, para a Terra, a Grande Mãe, devolveu-lhe o corpo e para os seus, que o choravam deixou as muitas histórias e outras tantas histórias que foram compondo a sua vida cheia de desafios. Onde talvez o maior deles foi sustentar milhares de edições ao longo desses quase 68 anos.
Ganhou uma edição especial onde sua imagem ocupava inteiramente a primeira página onde nunca, em vida, fez questão de estar: aí ficamos sabendo que nasceu em 1930, ano em que a revolução dos pampas, apoiada por Minas e Paraíba levou Getúlio Dorneles Vargas ao poder, se instalando, em outubro, no Palácio do Catete – construído com nossas pedras, pedras do Alto do Catete.
Jovem, muito jovem, viu o pai lançar o jornal para prestigiar a social democracia de Juscelino Kubitchek de Oliveira que se esparramava das Minas Gerais para chegar triunfante, bem depois, em Brasília. Era o ano ido de 1945; era um sete de abril especial. Não é todo o dia que nasce um jornal para se tornar a voz destas serras. 
Quando adotei Nova Friburgo como minha pequena pátria, em 1988, o jornal ainda era trissemanário; vi-o transformar o jornal em diário uns sete anos depois. 
Morando em Santa Bernadete fica impossível assinar o jornal pois quando chegasse eu já estaria fora de casa, então fiz uma assinatura diferente na banca da amiga Iracema, pago por semana e ela guarda o meu exemplar de AVS, assim nunca fico sem ele. É uma leitura obrigatória para todos nós que trabalhamos por esta cidade para que se torne cada vez mais nova e livre, soberana, para o que também muito trabalhou o jornalista Laercio Rangel Ventura. Sua morte foi uma grande perda para todos nós e, principalmente, para seus familiares, ao mesmo tempo em que sua vida foi um ganho, para todos nós. 
Não seria verdadeiro dizer que fomos amigos. Não. Mas foi uma cordialidade ímpar, uma admiração, que pautou nossa convivência. E, para mim, ele representa a ousadia, a confiança e a coragem de seguir sempre em frente, nunca desistir, testemunho que ele deu na ação: tornando o jornal diário, depois colorido mas, acima de tudo, presente nas nossas vidas de friburguenses.
A mesa que ocupava rotineiramente com o Senhor Lúcio Flavo na churrascaria do Edifício Mezzanino está vazia. E vamos ter de honrar essa ausência nos mirando na sua caminhada tão digna, tão cidadã.
Me ajuda nessa travessia imaginar que o Senhor Laercio deve estar preparando lá em cima A Voz do Céu. Chamou Muros, Jaccoud, para um panorama outro, menos nítido, nebular como a Mata Atlântica nos desvela uma vez ou outra aqui em nossas altitudes e latitudes peculiares. Talvez tenha perguntou pelas montanhas guardiães e os anjos correram e disseram “pode desenhá-las a seu modo, como quiser, é só tomar uns punhados de nuvens e moldá-las a sua maneira”. Provavelmente, não quis. Talvez tivesse o olhar distante, distante não, profundo, do céu para a terra. Queria ver mais. Além das montanhas. Ver Dona Maria José, Dalva, Adriana e demais familiares e ver a sua equipe de AVS contemplando as quaresmeiras, roxas, se derramando em pétalas sobre o Bengalas que nestes tempos, para ele, floresceram. Na cor da saudade.

*Engª Agrª, graduada pela UFPEL, RS; M.Sc. pela Universidade de Londres; especializada em Engenharia Ambiental pela Ucam – campus de Nova Friburgo; Subsecretária de Pesquisa, Planejamento Urbano, Preservação Ambiental e Regularização Fundiária da Semma/DUS, da PMNF. aldah.olive@bol.com.br

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