Há textos que fogem de mim. Saem do eixo, percorrem um caminho que não previ. Tornam-se atrevidos, driblam o que estipulei, ganham vida própria. Tornam-se arredios e chegam a um fim que eu, criador, não queria. Talvez os textos também tenham o tal do livre arbítrio e isso é justo.
Prova-me as letras serem aventureiras fascinantes que passeiam por linhas que emergem em descobertas que me desnudam e me revelam e me assustam.
A criatura descreve o criador e desvenda-o, sem pedir licença, sem ter autorização. O texto nasce à sua semelhança. Torna-se o seu espelho intrigante, repleto de verdade. E ainda que tente, de um modo ou de outro ocultá-la, por nem sempre entendê-la, a verdade vem ainda que em enigmas, mas que se equacionam ao espiar melhor o que está no interior das frases que se formam.
Os meus textos nem sempre parecem meus. Transformam-me, inspiram-me. São extrações do sobrenatural, no qual talvez eu seja apenas a via pela qual eles se libertam. Queria sempre poder ter um texto alegre em mãos. Queria sempre poder ter algo que não passasse indiferente...
Já nem sei se todos os meus textos são meus. A poesia não pode ficar presa a ninguém, ela não tem dono ao ponto de que cada construção, cada ideia que ganha o concreto é resultado de muitas experiências que dependem de muitas relações. O que penso, o que sou, o que escrevo é, portanto, a soma de todas as minhas vivências e todas as vidas que me elevam e que também me derrubam. Assim, meus textos são produto do coletivo que me extrapola, dos muitos que findam ao meu singular nem sempre mágico, mas único.
Tenho textos incompletos. Aguardam personagens e também esperam pelos conhecidos que ainda não vieram. Mesmos os textos que versam sobre a esperança. Ainda não se fecham, talvez pela impossibilidade de materializar o sonho. Tem um pouco de vazio mais pela inexatidão do que pela ausência. E incoerentes não se fazem texto ainda que sejam ensaios de tal.
Tenho textos que não publico. São como segredos confidenciados apenas ao travesseiro. Por mais que queiram liberdade, aprisiono-os, asfixio-os ao ponto que eles me aprisionam e me asfixiam também. Somos apenas um, eu e cada texto que me revela. Temos com eles conversas francas, sem entrelinhas. Os textos são meu divã e eu seu mais íntimo amigo. O texto é minha criação e no fim me transforma em criatura até nos tornarmos uma coisa só. Tão íntimos de nós mesmos.
Há textos que não envio talvez não tão diretamente como cartas com destinatários. São enviados ao mundo na expectativa de serem pescados. Caem, às vezes, em iscas erradas, n’outras são acariciados pelas mãos certas que ingênuas não suspeitam que eram a elas que querem, a elas que se referem, para elas que se debruçam e se declaram.
Tenho textos que ainda não escrevi. Estão no meu âmago, mas não saem. São textos que nascem no ônibus, a caminho de casa ou da lua. Textos que surgem enquanto viajo no chuveiro. Textos que se rasgam nas folhas do jardim. Eles ficam lá no meu infinito particular. Tornam-se vizinhos uns dos outros em minha memória e posso declará-los a qualquer hora ainda que não estejam no papel, pois já os decorei, sei de cada um deles como sei o nome de todos os amores que tive.
Eu preciso dos textos e não me atrevo a acreditar que eles precisem tanto de mim. Por eles, pelas palavras, transporto minha dor e alegria, minhas expectativas e alegrias, meus sonhos e medos, minha vida, meu ser e estar, meu morrer e meu pensar. Nem sempre são poéticos, nem sempre são bonitos, mas sou eu e meus momentos escarrados, escancarados, entregues, absolutamente entregue.
Por fim, meus textos são como meus dias. Alguns gosto mais, outros menos, mas são todos escritos por mim e não culpo ninguém pela tragédia dos meus personagens, não responsabilizo ninguém pela direção que tomam as minhas palavras, pois sou eu o autor do meu destino.
Deixe o seu comentário