Era segunda-feira e eu acabara de desembarcar no terminal rodoviário do Rio de Janeiro. Na saída, além do calor, uma fila homérica para pegar um táxi convencional. Nos guichês executivos, atendentes desesperadas tentando atrair “clientes vips”.
— Ei, psiu. Táxi?
— Táxi, senhor?
— Boa tarde!
— Aqui, aqui. Destino?
Acho que esse serviço é só pra gringos ou para quem não tem noção nenhuma da cidade. Eles cobram uma fortuna por um trajeto curto. E logo na rodoviária. Vai entender...
Pra mim, rico que é rico tem carro, motorista ou viaja de avião.
(Ainda chego lá.)
Com eletrônicos na mochila e atrasado — como sempre —, achei melhor não arriscar um ônibus para Botafogo.
Cruzei o terminal e fui para o embarque na esperança de pegar algum amarelinho que despachava um passageiro.
Não deu outra. Passaram uns três Santanas, ignorei.
Não pego Santanas. Puro preconceito e um pouquinho de experiências frustrantes: os motoristas geralmente são malucos, o ar-condicionado raramente funciona, se o vidro for automático estará com defeito e se for manual, a manivela vai cair enquanto você tenta girar. Sem contar que a porta tem macetes para abrir, o pino é uma caneta, provavelmente o estofado estará queimado de cigarro e por aí vai. Ah, e o preço é o mesmo de um táxi melhor. Enfim, esperei um pouquinho e logo atrás veio um Meriva.
— Tá livre, amigo?
— Estou. Só um minuto que preciso fazer uma ligação antes.
Um coroa, de mais ou menos 60 anos, sacou o celular do bolso, abriu o porta malas e pegou um envelope.
Esperei quatro minutos até entrar no táxi. Ele, de dentro do carro, gesticulava bastante. Abaixou o vidro e fez sinal para eu entrar.
— Desculpa te fazer esperar.
— Beleza. Vamos para Botafogo, por favor? Vou ficar na Real Grandeza, esquina com a Voluntários da Pátria.
— OK.
Não deu um minuto e o celular dele tocou.
— Isaura, acho que é ele atrás de mim. Um número estranho me ligou três vezes.
Enquanto ele falava num tom arrogante, possivelmente com a esposa, olhava para mim pelo espelho.
— Esse cara é meio maluco — pensei.
Mas no painel tinha tanto santo, que achei que a maluquice fosse da minha cabeça. Depois de uma curva brusca pra esquerda, ele soltou:
— Olha, to fudido por causa de uma bobeira à toa. Dei um tiro num motorista de ônibus filho da puta que mexeu com meu neto e agora a polícia tá atrás de mim.
Falei a primeira coisa que veio na minha cabeça, antes de, claro, trancar todo e qualquer orifício existente no meu corpo. Ali não passava nem agulha.
— É mesmo, rapaz, o que que esse cara fez com você?
— O babaca não quis parar o ônibus pro meu neto de 12 anos entrar. Peguei o táxi, cortei na frente do viado e mandei abrir a porta. Aí ele me desafiou, falou merda comigo. Peguei a arma que fica embaixo do meu banco...
(É agora que ele me assalta!!!)
... e acredita que o motorista veio pra cima de mim? Dei dois tiros. Só que foi em legítima defesa. Graças a Deus ele não morreu. Tá lá no hospital fudido.
— Rapaz, mas o cara partiu pra cima de você? Ele que desceu do ônibus? Então ele está totalmente errado.
— Não tá? Só que isso tá me dando uma dor de cabeça danada. Eu, um cara do bem, mais de 60 anos, sem nenhuma passagem pela polícia, já tive que gastar R$8 mil com advogado. E isso é só o começo. Taxista, fudido, precisando de grana...
E me olhou fixamente pelo espelho.
(Ok. Agora perdi meu computador, dinheiro, vou ser sequestrado por esse maluco. Devia ter entrado num Santana mesmo...)
— E minha mulher fica nervosa, me ligando pra saber onde eu estou, se estou bem.
— Isso que eu ia te perguntar. É chato, né, porque envolve família. Deve estar todo mundo preocupado com o senhor.
— Meu neto até mudou de escola. Minha esposa abre e fecha o portão pra eu chegar em casa, minha filha chora todos os dias...
— O emocional fica abalado, né, senhor?
E disparei a falar. Pronto. Família é o ponto fraco de todo mundo. Por mais que a pessoa seja “do mal”, ela ama alguém e tem alguém que a ama também...
— Disse tudo: emocional. Não consigo mais dormir pensando nisso.
— O senhor pensa em vingança da parte dele?
— Descobri que ele não é gente do bem não. Já tem duas passagens pela polícia porque batia em mulher.
— Ih... não tem coisa mais covarde, né?
— Nem me fale nisso.
(Mais um ponto pra mim!)
— Aí ele não pode fazer mais nada não senão dá ruim pra ele, né?
Silêncio.
— Você sabe mexer em celular? Vê aí quem me ligou. Não sei ver as últimas chamadas.
— 998***00.
Enquanto ele anotava o número na mão, continuei a falar:
— Olha só, se você apertar pra baixo, aparecem todas as chamadas. Como é seu nome?
— Elias.
— Seu Elias, aí as chamadas com seta vermelha são as perdidas. As verdes são as que você fez.
— Tá brincando! Que isso! Obrigado, menino. Você é um garoto do bem. Percebi isso quando você entrou no táxi.
— E esse Santo?
— É o meu protetor.
— Ele protege mesmo, hein?!
E ri.
— Fico na próxima esquina, tá?
— Tá bom aqui?
— Tá ótimo. Deu quanto com a tabela?
— Nada não. Estava precisando desabafar.
— Que isso! Toma R$20.
— Para de bobeira. Não vou aceitar de jeito nenhum.
— Sério?
— É sério. Boa sorte na vida, garoto. E não faça besteiras.
— O senhor também, hein?! Obrigado.
E empurrei para debaixo do banco do carona os R$20. Mesmo ele não tendo cobrado, acho que precisará de muitos clientes para pagar os honorários do advogado.
Ah, seu Elias...
Deixe o seu comentário