Palavreando - Onde está o Bob?

por Wanderson Nogueira
sexta-feira, 25 de julho de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Não há personagem melhor do que aquele que a gente encontra nas ruas. Tem algo de incrível e também inusitado na sabedoria popular. É tão correta como conselhos de avó, mas é bem mais divertida. Por ser menos moralista, não que não tenha em si as marcas da experiência que só quem viveu sabe o que significa.

– Apanhei muito do mundo! Disse-me Bob. Quem é que nunca levou um tapa do mundo? Mas há aqueles que levam surra, por coragem demais ou por prudência de menos. Desconfio que ele continue apanhando do mundo, mas parece que não se importa mais, afinal, quando se apanha continuadamente, a dor se anula na mistura do cotidiano.

– Hoje, já não sorrio mais! Confidenciou-me Bob. Mas reparei que, apesar do aparente descuido consigo mesmo, Bob tem dentes bem brancos e certos como os de quem usou aparelho dos 10 aos 20. Obviamente, o que não seria o seu caso. Apesar da recusa em sorrir de novo, o olhar não esconde que, apesar da esperança ter se despedido dali, aquele olhar ainda vislumbrava algo, mesmo que apenas um trago de bingas de cigarros.

Em meio a um gole e outro, em seus lampejos de memória, com mais aprendizados do que arrependimentos, Bob prosseguiu me contando sobre seus 40 e uns quebrados, com a fantasia de um poeta, mas com a verdade de quem não precisa mentir.

Tive medo de que Bob incorporasse a qualquer momento o famoso Bob, o Marley! Mas, infelizmente, a semelhança era apenas física e num trejeito ou outro. Talvez eu que quisesse, na verdade, equivalê-lo ao mestre do reggae, por simpatia. Sintonia universal, quem sabe?

– Fumei muita maconha, cheirei cocaína, já fui preso! Hoje já não faço mais isso. Não faço mais isso tem uns 20 anos. Bob repetiu isso por várias vezes. E Bob deixava ali comigo, na rua repleta de gente, numa sexta-feira fria de inverno, suas experiências, sua história. Todos têm histórias para contar e dividir. Nós e as histórias só precisamos de bons ouvintes. Bob era a história, eu o ouvinte! Pelo menos naquele instante.

– Sou pobre, durmo com os ratos, mas tô no Orkut. Disse-me um orgulhoso Bob. Ele me ensinava assim, sem perceber, o que os conselhos da minha avó jamais me ensinaram: somos todos iguais. A única coisa que nos difere é a classe social e com quem dormimos. Afinal, todos nós estamos no Orkut e o mesmo destino nos espera. Podemos acumular terras e riquezas, mas no fim todos nós herdaremos a terra.

– Tenho muitos amigos, tá vendo? Disse-me Bob enquanto abraçava um e acenava para outro. Aquela era nitidamente a grande jóia dele. As pessoas. Bob valoriza as pessoas. Bob ama as pessoas! Bob gosta de estar entre as pessoas, mesmo com a recusa do mundo para com ele, mesmo com a indiferença disfarçada da rua que brinca com sua folclórica presença.

Seguindo outro amigo, Bob se despediu. Agradeci pelo papo. – Tem umas moedas aí pra mim? Perguntou Bob. Só tinha uma moeda de 10 centavos. Dei a pequenina dourada a Bob e receoso eu pedi desculpas por não ter mais. Com irreverência incrível, Bob saiu com uma frase de efeito, exatamente, como faria um personagem meu sair de cena: – Às vezes pouco é muito e muito é pouco! E pouco é melhor que muito!

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