Palavreando - Inspiração - 18 a 20 de dezembro.

Por Wanderson Nogueira
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Há dias em que a gente acorda sem a vontade de acordar. Não por preguiça ou porque a manhã interrompeu um sonho bom. Mas pela falta de vontade em insurgir na loucura das horas que se prometem. Isso acontece com todos e ninguém tem a exclusividade da percepção de que falta algo ou que o ânimo escapa. Há a obrigação de levantar e encarar a labuta. É geralmente nesses dias sem inspiração que apenas vagamos. Vagamos sem nos conectar com os átomos que nos circundam.

Ninguém vive eternamente inspirado e essa insinuação se encaixa bem nos livros de auto-ajuda, mas não se aplica a vida.

A vida só é uma linha reta na corda bamba do cotidiano. Nada é constante: nem a dor, nem a alegria. O tempo ilustra bem isso: depois do sol, a chuva. Depois da tempestade, a bonança.

E é preciso saber se equilibrar para sobreviver, sabendo que uma queda e outra não matam, ainda que arranhem. Você vai sobreviver. A gente apanha para aprender o dom de acariciar. A gente teme para valorizar a coragem. É no misto de situações que a vida nos põe é que crescemos, evoluímos sem saber bem o quanto podemos evoluir. Por mais que se tenha a certeza de um sonho, nunca se sabe se tudo finda ao realizar desse sonho ou a completa impossibilidade dele. Somos seres em eterna construção e desconstrução.

Mas se pudéssemos escolher, optaríamos por estar sempre apaixonados. A paixão move tudo e faz mudar nossa visão de mundo. Mexe com nosso âmago, com nossa entranha mais profunda que, estranha, passa a ser completamente perceptível. A paixão transforma as pessoas, tanto quanto a falta dela. É a ausência dela que corrói o espírito, descolori os dias, nos prende à cama numa angústia sem ansiedade. Se a paixão nos planta a emoção, a carência da emoção nos rouba a intensidade que nos faz inspirados.

Quando a inspiração é transpiração, o poeta vira profissional. Não há realidade em suas palavras. Sim, até devaneios são reais, pois quando as palavras se juntam pela arte de um poeta ele crê naquilo que diz ao ponto de confundir o mundo provando que até o concreto é repleto de fantásticas abstrações imaginativas extrapolares. Quando o poeta não tem inspiração, o melhor que ele faz é se recolher e sem caçar, reencontrar a paixão que o distingue, que o habilita os extraordinários talentos de ler os dias, as pessoas, o universo e cada universo particular dentro dessa imensidão e ao lê-lo dividi-lo com o mundo.

Apaixonados, colhemos inspiração na flor que nasce, assim como na pétala que se desprende do broto e alça o seu voo suicida. Apaixonados, encontramos inspiração no olhar perdido do amigo, assim como no seu sorriso de canto de boca que disfarça a pequena vergonha pelo flerte fracassado. Apaixonados, descobrimos inspiração no cinza dos prédios, no verde dos bancos da praça, nas cores do arco-íris, na infinidade de possibilidades do prisma que distribui a luz pelo ar.

Se a inspiração tem um combustível, esse combustível é a paixão. Ela faz homens se disporem à guerra, motiva as conquistas, incita loucuras, firma trajetórias, cria histórias... Faz a gente levantar da cama com prazer de viver, para viver cada segundo, para se encontrar consigo mesmo e alcançar a tal felicidade que só pode ser vista e sentida com a inspiração que nos faz voar sem asas e acreditar que nada é impossível.

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