O papel é o meu desafio. Cheio de atitude encaro-o, mas quando vou despejar nele aquilo que sinto, fico meio que prostrado, sem saber bem o que dizer. Na verdade quero dizer tantas coisas, confessar tantas outras, extrair tantas verdades minhas que essas tantas coisas, confissões e verdades se atropelam, me atropelam, me estagnam. É como se eu quisesse explodir sem bem saber porquê, e temo o que essa explosão possa trazer. A verdade nos dói, mas é melhor a sua dor do que o tempo que ela nos corrói.
Não há nada melhor do que o chuveiro e o travesseiro. Eles podem ser grandes aliados. É naqueles banhos de pensamentos soltos e sentimentos retraídos que nos encontramos. Observo a água percorrer todo o meu corpo e percebo que até aquela gota tem um objetivo, ainda que seu fim seja o ralo. Mas eu vou pro ralo também, uma vez que aquela gota leva um pouco de mim enquanto parte dela penetra na pele, limpa e suja a alma. Estagnado vejo todos buscarem o futuro e me pergunto: o que faço? Vivo o meu futuro agora e não sei se essa ideia me agrada. Insatisfeito, temo os riscos de uma troca irresponsável e argumento pra mim mesmo que tudo está bem como está. Não! Não está, é o que revelo ao travesseiro que calado me escuta e concorda comigo tanto quanto duvida.
Procuro nas prateleiras uma receita que me recoloque no tempo e no espaço, mas ao olhar o intruso relógio percebo que talvez já não haja mais tempo, nem espaço. É escuro. Mais frio do que escuro a falta de intenção, a ausência de um objetivo claro a se perseguir.
Invejo os que sonham sem necessariamente querer ter os sonhos deles, mas gostaria de me atrever a sonhar de novo como quando era aquele menino que tremulava ao cruzar com os olhos dela, que tropeçava ao entrar nos caminhos desconhecidos que sempre quis entrar, que gaguejava ao abrir as portas do meu futuro... Meu hoje futuro interminável que quis... Mas já não sei se é tão grande pra mim como o era quando planejava chegar a ele. Eu quero mais, a gente sempre quer mais, ainda que a gente não saiba bem o que queremos.
Eu sei que posso traçar novos caminhos desconhecidos e até cruzar com novos olhos que me apaixonem, mas quanto mais seguro, menos riscos queremos correr. O conforto me aprisiona quando é pelo desconhecido que eu clamo. Grito sem ninguém escutar. Choro sem ninguém ver. Por dentro sou um furacão querendo entrar em erupção. Sou confusão. O mundo me pede calma, mas pouco a pouco, cada vez menos pessoas me convencem. Acordo por acordar, trabalho por trabalhar, amo por amar, vivo por viver... Finjo fé. Rio para que não percebam que não entendi a piada. Quando foi que me perdi de mim mesmo? Quando perdi os sonhos daquele futuro prometido que nunca se prometeu.
Já não sou mais tão criança. Já não sou mais tão jovem assim, mas também não sou tão velho ao ponto de me regar da sabedoria do tempo e produzir filosofia barata que me sirva de conselheira. Já sei escolher e deixar ser escolhido, mas as escolhas não me satisfazem. Meu coração perde a elasticidade a cada segundo. Meus pés cansados pedem asas para voar. Eu só queria ser mais parte do mundo ao invés de somente catar estrelas.
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