Passei por você e você me viu, mas fingiu não me ver. Sussurrou ao meu ouvido pedindo educação e não obtive respostas. Nunca tenho respostas quando se trata de você e eu. Nunca entendo bem o que se passa na sua cabeça, quando na verdade só queria ouvir o seu coração.
Foi difícil não tremer aos seus olhos, ao seu cheiro. Confissão rasgada no rosto de que você é para mim causa e efeito. Ainda sim, guardei as declarações na minha maldita caixa de segredos. Recusei todos os míseros motivos que me levariam a você, mas ainda que não quisesse me entregar, se observar bem, sempre me entrego a você. Seja pela fala gaguejada, pelo brilho nos olhos, seja pelo incômodo que é te ver e não te ter, te descobrir e não te achar. Quis evitar revelar que é “difícil te ver sem te amar, difícil é te amar sem morrer de amores”. Mero engano de quem sabe o futuro e suas consequências, mas que não consegue impedi-lo. Ele tem que acontecer para acalmar meu peito ainda que dilacere minhas vísceras.
Disfarçadamente, desviei os olhos para te ver e vi que você me via e me olhava também. Fingi desapego, mas meus olhos condenavam o afeto que guardo na alma. Você, por sua vez, ao me olhar desconcertadamente, mandava a mensagem de interesse, de querer estar junto, ainda que veladamente pareça pecado e proibido. Até os mais despercebidos sentiam a tensão de nosso encontro. Acenei com a chance, mas paralisei quando você acenou primeiro. Você de um lado e eu do outro, quando ali, na verdade não tinha mais ninguém. Era somente eu, você e o mundo. E é assim quando estamos perto um do outro, ainda que nunca estejamos exatamente juntos.
Sim! Quando nos encontramos todos os rostos somem com toda a conversa fiada e com toda a música de fundo. Não são as cidades que param, somos nós que paramos o mundo. E ainda que vigiados por uma astronave, nada consegue impedir que as estrelas se apaguem e a lua se esconda para que sejamos somente eu, você e o mundo.
Isso assusta, provoca medo nossas provocações, provam temor nossas provações... Mas a força que nos leva um para o outro é mais forte, difícil de conter, impossível de aniquilar. Ainda que vacilemos, o tempo para, as estações freiam porque o que tem que ser será e com a gente é, de um modo ou de outro. Fugimos disso, mas a fuga é frustrada porque ela vem e nos caça e nos junta. Corremos um do outro, para no fim corrermos um para os braços do outro.
Sorrimos, lamentamos, nos deliciamos com os dissabores petiscados de nossas lições. Tememos o que ocorre na nossa junção e desviamos os olhos para ocultar o que a atmosfera insiste em despir. O orgulho nos paralisa, impossibilidades fajutas tentam nos afastar. Cobro explicações e te culpo pela distração, se desculpa com fala serena, quase educada e age. Esperamos atingir a imperfeição para descobrir argumentos inexistentes de que não devemos seguir o que diz a música. Insistimos em procurar em outro lugar o que encontramos o que está bem ali entre eu, você e o mundo.
Sou só eu, você e o mundo e nada mais, ninguém mais, coisa alguma, intrusão qualquer. Libertos para fazermos o que nos permitirmos. A música toca e nos toca, nos tocamos. Seguimos a música acrescentando alguns versos exclusivamente nossos e nos concedemos a dança de passos inventados na hora que invejam até mesmo as danças mais coreografadas e ensaiadas dos bailes das realezas europeias. Rodopiamos sem tontear. Flutuamos ao nos beijar. Somos felizes sem saber descrever bem o que é a felicidade e nos amamos sem experimentar ao todo tudo o que é o amor. Esquecemos o pudor, desconhecemos o temor e ainda que certos das incertezas, frente a frente, olhos fixos no único olhar que sabemos existir, nos curvamos um para o outro para provar igualmente que somos apenas um, ao ponto que não é eu, você e o mundo, mas nós e o mundo, o mundo e nós, somente um.
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