Palavreando - Como assim?

Por Wanderson Nogueira - wandersonnogueira@gmail.com
sexta-feira, 22 de março de 2013
por Jornal A Voz da Serra

“Perigos há por toda parte...” Era o que mais ou menos cantava a música que vinha ouvindo no carro, antes de buscar o verdadeiro perigo. Perigo que não é parte e nem está por toda parte. É difícil de achar, ainda que se possa dividir. Eu temo, mas amo o perigo. Afinal, o que mais vale a pena geralmente está no que mais tememos.
“Se joga!”, tenta me convencer uma amiga que martela nos meus pensamentos o mantra que me deixa diariamente. Ela dizia antes mesmo de eu perceber: “Você tem tudo a ver com o perigo!”. Me jogo! Falo para mim mesmo. Hoje eu só quero ser feliz! O que vai ser do fim de tudo? Não estou nem aí! Gargalharemos. Deixa simplesmente acontecer, afinal, sou devoto do que tem que ser tem força! 
Aprecio a beleza, mas a beleza é fugaz. A beleza envelhece. Virou necessidade acaba o desejo, mas não o prazer. Mais do que a beleza, aprecio a liberdade, e por ser livre aprecio ainda mais a inteligência, ainda que recuse o jogo eterno. Talvez porque eu não seja um bom jogador. Cotidianizar revoluções. Convite danado de quem é especialista em responder perguntando “como assim?”. 
Chove na noite de lá fora que entra para o dia que faz aqui dentro. A música do carro já é samba e a roda de samba na mesa redonda de madeira chama todos a saírem do quadrado que impede se olhar. Petisca, enquanto canto. Canta, enquanto enfrento a fila do banheiro. Peço um Tim Maia. Emendam com um Legião. Tem Renato Russo no samba. A camisa branca que uso—me gozam parece com as que ele usava. Admito, mas publicamente recuso a comparação. Danço com os ombros. Não tenho samba no pé. Como assim? 
A torre esvazia. A bexiga de todos também. Gargalharemos! Se ao fim da história gargalharemos? Torço para que sim, ainda que não queira nunca o fim da história. Adoro as reticências. Talvez eu goste do jogo eterno! Gargalho por dentro e para fora um pouco menos do que vêem, ainda que bastante. 
Um norte-americano chega à América com botons e óculos. Toca gaita e tem anel de caveira. No casaco, uma bandeira da Finlândia. A alma livre de mente aventureira me convence a solicitar à dona dar uma oportunidade ao gaitista. “Não!”, gargalha ela em ritmo de bloco de rua! “Já dei a ele um troco!” O troco é o trocado da dispensa. Vai em paz irmão, penso com meus botões em voz alta. “Minha camisa não parece com a do Renato Russo!”, sussurro baixinho para o mundo, ainda indignado pela comparação. O outro chega para a menina e diz: “Você tirou o meu siso!”.Será que ela lhe arrancou algo mais?, reflito com a minha imaginação fértil e perturbada querendo criar situações. Sou um anjo pornográfico, concluo sonhando em ser Nelson Rodrigues. A loira chega cantando Suzana. Que raio de música é essa? Estou no inferno, mas quando olho para o sorriso do lado aterrisso no paraíso.
E o paraíso fica verde e branco na confusão dos cotovelos, sonhos e batuque. Tanta gente suada, tanta gente feliz! Convite para ser rei—não aceito. Estou bem sendo apenas mais um na observação da festa do palco e dos artistas na platéia. Te surpreendo? Julgo ser um desafio que gostaria de vencer. O mundo gira ou eu giro? Não sei. Tudo gira como a porta estandarte. Tudo voa com a águia da alegoria. Quero ser eu apenas. Voam meus sonhos na viagem de buscar o marcante amor menino que deixa de ser amor, de repente, no curto caminho da rodoviária à rua onde mora. Eu nunca morei naquele coração e despejo esse amor do meu coração, pelo menos até o próximo encontro. Volto para a festa feliz. Fiquei 30 minutos fora? O perigo nem percebeu, mas permanece lá pasmado com a multidão. O perigo não espera ninguém, mas vem, me vem. Aceito a proposta de cotidianizar revoluções. A juventude inteligente e intensa me instiga. 
Já haviam me contado o que dá certo! Já sabia na minha intuição que é bom viver uma ilusão de forma entregue. Eu recusava veementemente! Agora sei que a gente só se arrepende daquilo que não faz. Eu não quero mais arrependimentos para a minha coleção. Eu quero colecionar pingentes de coragem no coração. Mas deixo tudo nas mãos do perigo que diz medir as consequências. Brinque com fogo, mas não com aventureiros. Essa é a minha consequência. Por isso, relembro o que dizia para mim mesmo lá atrás: não se apaixone pelo perigo! Mas me apaixono no meu nunca para sempre que é só um instante. Deixa acontecer e o sonho se realiza. As mãos do perigo ou do destino conduzem e eu vou liberto, certo, tarado, desarticulado, eu sem ser eu sendo eu... É confuso. Peco com talento. Acaricio menos do que gostaria. Travo pelo medo de apanhar, com receio do castigo de querer mais. Após o descolar dos corpos, a alma fica apegada na sua leveza de se dar, mas controlo o corpo para não fazer o carinho que todo o meu resto manda. Arrependo-me por não sentar à frente dos olhos do perigo e beijar-lhe a nuca, o queixo, o peito, a boca. Admirar o sorriso, além da inteligência e admitir que eu não queria que acabasse. Revelar que não acho que tenha sido só pecado safado sem cobertor. Enquanto estou ali, estou vivendo só aquilo—encantado. Mas a noite amanhece e da minha boca só sai “nós somos loucos!” Sim! Loucos pelos que não fazem bocejar e contam segredos de madrugada com confiança mútua. Loucos pela aventura de viver intensamente. Como assim? Somos tão parecidos afinal, ainda que eu queira jogar sem ser bom jogador. Como assim? Você não aceitará o convite do capetinha repousado na estante? Ficará para outra semana. Deus para outro mês. O segredo para a eternidade. A história para sempre ainda que não publicada e se publicada—pouco entendida. 
O perigo não é qualquer caminho—é o caminho quando se sabe que caminho se quer!
Um presente, ainda que recuse entrar de novo na minha casa. Como assim? Isso é tudo medo de mim? Mede as consequências. Odeia “O Pequeno Príncipe” por causa de uma frase. Dou razão! Tenho que dar razão após os bons argumentos. Te conheço, sem ter o dom de te decifrar. O perigo é indesvendável. 
Louvo as reticências... Já estamos no gargalharemos? Espero que não, pelo menos enquanto gargalho por não ser o final... E me responderá perguntando: como assim?

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