Palavreando - Cá é que dói

sexta-feira, 20 de abril de 2012
por Jornal A Voz da Serra

“Ah! Não estou feliz não!” Deparei-me dizendo, enquanto o sono não vinha na noite escura que atormentava-me. Essa é uma das piores declarações que se pode ter ao concluir um dia. O pior é que você diz pra si mesmo: “Não estou feliz!” (Nem sei o porquê da exclamação). Verdade derradeira, porque você não bebe o veneno do autoengano. Você não vomita aquilo que é fato próprio e que ninguém pode debater com você. Não há contra-argumentos.

Sei que a felicidade vem e vai e que manter esse estado de forma permanente é um sonho impossível, até porque para saber o que é bom é preciso experimentar também o que é ruim. Sei, eu sei que a felicidade está dentro de nós e que é mais um ponto de vista do que propriamente ser querido, ser amado ou ganhar um presente. A felicidade pode até vir através do outro ou dos outros, mas não depende diretamente dos outros. Conheço pessoas queridíssimas, amadas e que ganham presentes a torto e direito e que estão mais infelizes do que felizes. Sei também que acostumar-se com o “não estou feliz” é um vício que pode ser difícil de se largar... É preciso reagir! É necessário fazer diferente! Nada dessa de felicidade futura. O futuro é tão lá, quando cá é que dói!

Machuca a indiferença, a falta de intenção, a inércia. Dói o plano e a ausência de planos. Corrói a dúvida, a desesperança, a saudade. A música triste toca e não incomoda. Desliguem a música triste! Mas ela me acompanha insistentemente. Deixa ela tocar! É intensa! É verdadeira! É minha verdade de agora!

Não me faz feliz ser quem não sou! A liberdade me traz a felicidade. Não me faz feliz ser opaco. A intensidade me traz a felicidade. Não me faz feliz o vazio que não é ter ou ser nada, mas a sensação de estar incompleto. Ter, ser, estar me traz a felicidade. Ter o que me é necessário, ser o que sou sem manipulações do mundo, estar onde e com quero estar—isso é o que me faz mais feliz ainda que com percalços que naturalmente existem em tudo o que envolve ter, ser e estar. Assumir responsabilidades pelo o que se tem, o que se é e onde está nem sempre é leve, mas vale o peso e a pena. E, isso, ninguém me contou. Eu sei. Quando foi que me perdi?

Talvez seja só por hoje, talvez não! A noite escura se dissipará. As lágrimas secam e o sorriso volta. É assim com todo mundo, comigo não pode ser diferente. Hoje vai passar e ainda que a vida tenha mais passado por mim do que eu por ela, aprendi que não dá para admitir com normalidade que não estou feliz. A felicidade pode não permanecer constantemente, mas pode ficar mais cá do que ser só projeção pra lá.

Quero encontrar com o que me faz feliz agora, mesmo que apenas nos sonhos dessa noite que não me deixa dormir. Repito o mantra de que não tenho vocação para a depressão e a infinita melancolia. A tristeza pode até me visitar, mas minha força faz com que eu a coloque porta afora quando o recado dado é enfim entendido. Não rechaço a visita, mas visitas assim ainda que pertinentes precisam ser ligeiras. A ilusão pode até se fazer de minha amante, mas mudo para que as coisas ao meu redor mudem. Rasgo o que me aprisiona, amo a liberdade, mesmo que praticar ideais seja perigoso e até mortal. Mas ninguém é feliz se não tem algo pelo que morrer vivendo.

Otimismo não vale de nada se é só esperança. Não espero nada de ninguém, não posso esperar, mas digo ao mundo que esperem muito de mim, mesmo que meus talentos não sejam heroicos ou poéticos, mesmo que meus atos não entrem nos livros de história... Mas se minhas palavras penetrarem num só coração que seja, saberei que minha existência não foi em vão.

Não pode ser em vão o meu grito solitário que ninguém mais ouve, apenas eu mesmo. É um direito ser feliz, é um dever lutar pela felicidade. O futuro é tão lá, quando cá é que dói! Lá nem sei o que serei, mas cá, agora, nesse instante, eu quero dormir dizendo: “Estou feliz! Ah! Como estou feliz!”.

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