Perdi o sono as seis e ganhei o dia.
Eu sou daqueles que fazem de tudo para ficar na cama mais um pouquinho. Desses que rechaçam acordar cedo e que se podem ficam na cama até uma da tarde. Prolongam o sono para além do que o sono pode ir.
Mas hoje, diferentemente de outros dias em que perdi o sono, resolvi levantar e respeitar a vontade do dia de me ter mais cedo. Mesmo não tendo nenhum compromisso pulei da cama e dei bom-dia ao dia. E como é bom dar bom-dia ao dia.
Ver a névoa da madrugada se dissipar pouco a pouco. Ouvir os pássaros com encanto. Acompanhar o orvalho evaporar na sua entrega a luz do sol. Soltar fumacinha pela boca e usar as mãos para esquentar um pouco o ar frio da manhã que penetra os pulmões. Sorrir para o sorriso das flores das cerejeiras e se compenetrar no barulho dos próprios passos. Som que pouco a pouco vai se confundindo com outros passos, alguns mais ligeiros e outros menos ansiosos, mas todos de certa forma iguais. Passos do dia a dia para um novo dia que surge e se estende pelas horas que divinamente vão desenhando o mundo e prometem ao mundo as novidades que o mundo tanto anseia todos os dias.
As vassouras varrem o que ainda restou do dia anterior e dou bom dia ao gari que sem qualquer vergonha abre o sorriso banguela mais feliz entre todos aqueles que viraram a madrugada trabalhando. Cumprimento o dono do comércio que conta os minutos para abrir. Ele aproveita a paz da manhã se preenchendo da energia do sol matutino. Ele me pergunta o que faço acordado tão cedo e respondo que simplesmente perdi o sono e resolvi aceitar o convite da manhã.
A manhã se mostra para mim bem mais do que posso ver ao abrir a cortina do quarto. Debruçada na janela me chama e eu vou! Vou para curtir a vida que se esgota a cada segundo que passa e tendo essa consciência não perco tempo. Não há tempo a perder ao mesmo tempo em que aproveitar o tempo é saber olhar, prestigiar o espetáculo que se faz na nossa frente sem qualquer cobrança de ingresso. Vivenciar. É preciso vivenciar para saborear. É preciso vivenciar para ser intenso. Não há outra forma de ser feliz se não vivenciando a dor e a alegria.
Dói ver o dia passar tão rápido. Alegra poder chegar ao fim do dia. No misto de emoções que vivenciamos a vida acontece. E, nos inspiramos com biografias que não viram livro, com vidas que não se transformam em filme. Mas nossos olhos fotografam instantes de pessoas que são essenciais para o dia. Como o homem que descarrega caixas grandes do caminhão e a idosa curiosa que imagina o que tem dentro daqueles caixas ou como a moça da padaria que faz café e vende pão. Como o menino que ajuda o pai a vender flores na esquina ou como o jovem que troca o macacão do posto de gasolina no qual fez bico durante a madrugada para se tornar o vendedor da loja de calçados. Como a jovem que corre em volta do quarteirão ou o avô que dá a mão à netinha na hora de atravessar a rua. Como o estudante que sai da escola para o curso de inglês já pensando na aula de reforço de física ou como o senhor que senta no banco da praça para ler o jornal da cidade. Como todos que se esbarram no caminho de casa para o trabalho ou da saída de casa para lugar nenhum.
Um dia desse qualquer em que não tiver nada na agenda, que o sono acaba e a manhã te convida, experimente sair de casa para lugar nenhum. Vá sem relógio! Esqueça a hora para aproveitar o tempo. Olhe. Sinta. Viva. Observe melhor os detalhes de cada trejeito e ao perceber cada minúcia do caminho conhecerá mais os outros e o mundo. E ao tomar conhecimento deixe se surpreender, pois ao conhecer melhor o que está à sua volta, acaba conhecendo mais de si mesmo. Assim, conclui que há infinitas descobertas por se fazer em muitas novas manhãs que te saudarão com um bom dia escancarado repleto de expectativa para que você mergulhe no dia com vontade de desvendar cada minuto e vivenciar tudo o que o dia oferta e muito além do que você supõe que a vida pode oferecer.
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