Personagens
Todos os meus personagens são reais. Imitam a vida que escancarada passeia aí fora. Eu sou um personagem escondido no meio de tantos outros personagens que se sufocam para serem notados e quem sabe abocanharem o papel principal. Somos todos personagens de uma história em constante construção. Pedintes de uma migalha de diálogo que nos torne um pouco mais importantes.
Os personagens são parte de mim, reflexos de minhas observações cotidianas, partículas advindas dos meus neurônios afins de boa conversa para desperturbar o que anseio e aquilo que fiz por não ter feito. Meus personagens têm meu sangue e são alimentados por meus devaneios. Me assusto com eles tanto quanto me assusto quando me pego sozinho comigo mesmo. E aí para fugir de quem encontro, crio novos personagens que me intrigam e me integram. É minha chance de conduzir o destino, dar e tirar, ser justo e também injusto, ser autor mesmo sendo esse um papel coadjuvante.
No enredo que vai se estendendo, trilho seus paralelos com estrelas nas mãos e incertezas nos olhos. Eu, personagem da história de não sei quem, luto para desamarrar as linhas que me conduzem para não sei onde. Eu quero ser autor de mim mesmo! Eu quero ser livre para amar mesmo quando amar não é prudente. Eu quero romper as barreiras do som e de toda física e de tudo que me limita. Eu quero ser grande para pular as montanhas e também pequeno para entrar pelos buracos das fechaduras. Eu quero ser notado, mas também esquecido. Eu quero ser dono dos momentos em que sou história e quero ser personagem quando bem quiser.
Nesse grande livro interminável, em que apesar de ter bilhões de personagens, nenhum se compara por mais que se assemelhe. E é incrível como cada um tomaria uma atitude de forma diferente perante igual situação. Somos personagens, habitantes de um cenário fantasticamente fascinante, peças nas mãos de um autor irônico, mas irreverente. Um comediante que nasceu para ser best-seller de dramas. E tentamos nos desprender sem querer nos livrarmos, afinal a quem culparíamos pelas nossas tragédias. Um personagem nunca gosta muito de assumir seus atos. Eu assumo meus personagens, mas não me responsabilizo por eles. O grande e onipresente personagem se responsabiliza?
Todos os personagens são átomos em incontrolável caos consumindo-se e adiando a existência em sonhos e expectativas. Agindo agora, para ser amanhã e se traduzir adiante. Criaturas que não sucumbem ao criador, pois uma vez com vida própria, deixam-se vencer gentilmente pela tentação de escrever sua própria história.
Os meus personagens deixam de ser meus. Fato que não os tornam menos reais, assim como tal abandono não me desmotiva a criar outros e mais. Os personagens são minha fuga e me imitam ao fugir de mim com meus dilemas. E por maior que seja a dor do órfão, esta não supera a mácula do pai que perde o filho. Não posso substituí-los, mas ainda sim tento, equivocadamente, atenuar meu sofrimento com novos personagens. E assim o círculo vicioso prossegue seu calvário eternamente.
Sou um personagem em processo de esfacelação. Morro em partes. Curvo-me, pouco a pouco, até beijar o chão. Caduco, me perco nos cálculos do quanto já apareci, seja como protagonista ou coadjuvante ou mesmo quando só estive no palco calado. Mas chega a hora em que os cálculos não fazem a menor diferença. Estando as contas certas ou erradas o que quero é apenas um gole a mais de poesia.
E é assim... Somos personagens em contagem regressiva e apesar de tão diferentes e diversos queremos unicamente a mesma coisa: um capítulo a mais, uns acréscimos de instantes nessa cena toda que fecha pano para que outros possam também se divertir.
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