Palavreando - 4 de abril

Por Wanderson Nogueira
sexta-feira, 03 de abril de 2009
por Jornal A Voz da Serra

DEPENDÊNCIA

Há aqueles que podem achar que a dependência é um mal, algo que traz infelicidade ou incapacidade. Talvez sejam tolos, talvez não. Mas até os deuses se tornam em algum momento dependentes. Esse momento para eles e todos nós surge quando, de repente, sem saber, escolher ou prever, se abrem os olhos e ao cruzar com outros olhos conhece o maior e melhor de todos os sentimentos: o de amar.

E assim, perdido entre as luzes que se vigiam pelo espaço, vislumbrado pelas estranhas formas que se desenham no céu, se torna dependente por escolha. É um vício. Uma necessidade de experimentar, presenciar, louvar. Dependência por vontade própria para se autobeneficiar. Ser feliz! E a cada instante mais dependente desse estado de estar física e espiritualmente dependente, se entrega. Porque é como se dependesse disso para ficar preso à terra. Surge, então, uma nova lei da gravidade para não sair por aí inflando até explodir na galáxia das formosas. E é essa dependência que o prende ao chão, ao mesmo tempo que lhe dá asas para um voo seguro, porém, sempre imprevisível.

E tão dependente vai, sem receio ou qualquer vontade de se libertar. É ter a liberdade de ser dependente, absolutamente dependente, de gargalhadas e tantas outras coisinhas pequenas e grandiosas que resultam numa felicidade sem medidas.

Hoje, entendo os viciados. Só não compreendo a escolha por seus vícios. Não há vício melhor que o de amar. Exageradamente e entregue, amar vezes amar.

E tudo passa a depender daquela pessoa: o jeito de ver e sentir o mundo, a beleza do espaço com ou sem estrelas, as fotografias, as músicas, as verdades e mentiras. Tudo passa a confluir para aquele ser que lhe faz ver e ser diferente do que era antes. Talvez seja o brilho que planta no olhar, talvez a pressa maior com que faz o coração pulsar, talvez a forma que as formas ganham ao ouvi-lo falar, talvez a inocência recuperada após anos de espera, talvez nada disso ou tudo isso e muito mais.

E os dias ganham novas cores e as flores novos nomes e a vida mais sabores. Dependente... Feliz e dependente. Menos mortal e mais semideus. Mais próximo das profecias e mais perto dos propósitos de viver. Se ajoelhar sem parecer inglório, mas, sim, vencedor. Se encurvar sem parecer ilógico, mas, sim, poderoso. Um sorridente entre os homens, uma criança entre os leões. Possuir, de repente, o mapa de um universo de muitas galáxias nas linhas das mãos.

A dependência tem causas desconhecidas, mas resultados fantásticos. E não há por que não admitir isso. Reconhecer a dependência o torna o mais forte entre os fortes e o menos fraco entre os fracos. Lhe traz a paz própria dos amores que possuem o dom de abdicar de toda e qualquer riqueza e dar até a própria vida pela crença da eternidade, mesmo que esta seja sempre momentânea.

E dependente, ao se olhar no espelho, de repente, poder pela primeira vez ver o próprio espírito e se encantar com essa experiência. E encantado, cantar a vida, escorregar a bunda no tobogã das magnólias e estupefato chorar de alegria.

Para ser dependente não se faz necessário estar preparado. A dependência vem, mais cedo ou mais tarde. Só é preciso estar de braços abertos, sem nenhum temor de cair, sem nenhum receio de se ferir ou se deixar conquistado. Simplesmente se deve deixar se encantar pelo mundo que se abre como uma aguardada flor de inverno. A dependência não é um castigo, mas a confirmação de que você existe e Deus lhe percebe na imensa multidão. Receba a graça de amar e guarde as histórias e sensações que a vida lhe concede nesse estado de inteira percepção de tudo à sua volta visto do mais precioso diamante que se pode ter: o do viciado amoroso, do dependente da paixão, do semideus travestido de louco.

Talvez você concorde, talvez não. Talvez você espere, talvez não. Mas um dia haverá de querer esse estado e um dia receberá também essa dádiva.

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