Palavreando - 29 de agosto

Por Wanderson Nogueira
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
por Jornal A Voz da Serra

A esquina

A vida muda num dobrar de esquinas, me contou aquela senhora de feição amável e de paz quase celestial. A vida muda num dobrar de esquinas, confessou-me ela: - Essa era a filosofia de vida de uma grande amiga minha que nem era muito motivada por esses pensamentos típicos de meditação, mas que regia a vida sobre esse tablado de que a vida muda num dobrar de esquinas. Não pisava em ovos, nem caminhava distraída, tampouco corria para adiantar o que viria, mas estava sempre atenta ao que lhe reservava o desdobrar da esquina, o desdobrar de cada esquina. Ela vivia intensamente cada virar de esquina, saboreava esse prazer de viver com as mudanças que os passos trazem. Concluiu, deixando em aberto a mágica do dobrar a esquina, onde a vida muda, acontece e se transforma...

E a lição daquela senhora de feição amável e de paz quase celestial ficou ali, impregnada em meu ser, transformando o meu íntimo. Será que teria eu dobrado a esquina?

A vida muda num dobrar de esquina e é perigoso piscar os olhos, pois o mundo se reinventa em frações de segundos. É só o infinito ao meu redor, é só a eternidade em meu relógio. Não é preciso correr, nem andar lento demais, basta manter o ritmo natural das horas, daquele dia, daquele momento, naqueles passos. Deixar o vento percorrer o rosto para quem sabe acariciar também a alma.

Ir do jeito que só eu sei ir para chegar como só eu sei chegar, exatamente como você: ir do jeito que só você sabe ir para chegar como só você sabe chegar. Assim é também o mundo. O mundo gira e a noite se transforma em dia e o dia em noite naturalmente. A natureza da vida nos chama, faz convite e nem sempre a gente dança! E essa dança faz inveja ao baile dos cisnes e a valsa das nebulosas.

A vida muda num dobrar de esquina e seria tão mais fácil aceitar a brisa nos tocar, brincar com a brisa, deixar ser abraçado por ela e embarcar nesse envolvimento invisível, mas nada frágil. Aquilo que não se pode ver, mas que se pode sentir é um milagre desejado que de tão esperado passa a ser necessário. E por isso é tão necessário dobrar a esquina.

A vida muda num dobrar de esquina e num esbarrão, um arranhão, num tropeço, a quebra do sossego ou no silêncio total, tudo muda, tudo se transforma, porque a vida não pode ser tão parasita, inerte ou estática. A vida é movimento constante e assim o coração pulsa e a música toca.

Frases feitas, flores, estrelas, versos mudos, gritos, ventania, poesia. Frases sem sentido, pétalas, luzes mortas, rimas porcas, tempestade, vidas mortas. Ainda que se pare, que se estagne ou que se estacione com sua nave defeituosa na esquina, a vida continua se desdobrando na esquina porque a vida muda num dobrar de esquina e algo se deixa e muito se leva, sempre.

E nesse mistério do que há por adiante à esquina a vida maravilhosamente se descortina. Natural e despretensiosamente a alma ganha asas e voa como se sempre soubesse ou pudesse voar. É como se as asas estivessem sempre ali, só não se podia vê-las por uma cegueira momentânea ou por uma incompreensão que não permitia antes sentir. Antes de dobrar a esquina é claro, porque a vida muda num dobrar de esquina. Não é preciso insistir, pois a esquina vem até você, quer você queira ou não, a vida muda num dobrar de esquina...

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