Ela não está aqui
Eu vi seu rosto em meus sonhos. Mas ela logo desviou o olhar e se esquivou de mim. Pude percebê-la apesar de instantaneamente me ignorar e foi tão intenso como o maior eclipse já presenciado pelo homem. Ela não está aqui, mas posso senti-la, posso acariciá-la ainda que apenas nos meus sonhos infantis, desses de menino desprotegido, de jovem sonhador por sua própria natureza, cantor pelo seu encantamento pela vida e poeta pela inspiração que advém de seu amor. E menino, poeta e cantor espero ela chegar, mas ela não está aqui.
Eu estava lá à espera, mas ela não veio. Não nessa noite. Não veio também na noite seguinte. Mas eu continuo a ir até lá, não quero dar qualquer chance ao azar. Um dia ela virá, eu sei... E espero-a com flores, porque alguém me disse que quando não se sabe o que oferecer a uma mulher, apenas lhe dê flores.
De longe sinto o seu cheiro, inigualável, como se o melhor perfume francês encontrasse a pele perfeita para alcançar a tal sintonia perfeita... É tão suave que me inebria ao ponto de trocar a brisa por aquele perfume que se encaixa ao meu paladar que tem fome de devorá-la. Viciado, sigo os rastros deixados por aquele delicioso perfume, mas ela não está aqui, ela nunca está... Mas ainda assim continuo a seguir aquele perfume, prossigo a minha peregrinação, hoje não, tudo bem, amanhã quem sabe? Desistir, jamais!
Eu vi o seu rosto, eu sei que vi. Eu tenho essa certeza desde o início dos tempos, quando tudo era mar e todos os oceanos eram apenas um imenso e inteiro oceano. Eu senti o seu perfume, eu sei que senti. Eu tenho esse cheiro guardado em mim desde o início dos tempos, quando tudo era certeza e todas as incertezas eram heresias, estúpidas heresias. Eu espero por ela, eu sei pelo que espero. Eu tenho essa esperança desde o início dos tempos, quando o amor não motivava dúvidas e é por isso que até o fim dos tempos não tenho receios. Ela estará aqui, mesmo que hoje ela ainda não esteja, ela estará aqui, de repente como uma chuva de verão, ela me visitará, ela estará aqui.
E vou abraçá-la forte, venerá-la, endeusá-la... Espero ter poder suficiente para fazê-la rir, para despertar nela o amor para que assim ela possa ficar aqui comigo. Não mais entre as estrelas, mas com as estrelas em seu olhar, porque ensinarei a ela que melhor do que estar entre as estrelas é poder admirá-las daqui. Não há nada melhor do que ver as estrelas, elas no céu e nós aqui presos à terra, filhos da terra, devotos da terra... E vou beijá-la, enchê-la de beijos, mimos e carinhos. Dia a dia compensá-la pela sorte que me traz, pela sorte que vem com ela. Ah! Vou soltar fogos de artifício, despencar do alto da montanha, rolando até o vale encantado repleto das flores que plantei, enquanto aguardava a chegada dela. Não joguei nenhuma flor fora... Ela não se esquecerá daqui e eu não esquecerei os caminhos que trouxeram ela para mim.
Ela não está aqui, mas tenho fé. E no dia em que ela chegar não vou deixar de sonhar, porque terei a prova de que sonhos podem se tornar realidade. Nesse dia vou cantar aos céus mais encantado pela vida do que nunca. Vou gastar todos os cadernos que tiver, todas as folhas que me vierem como poemas cheios de poesias, vou reler o imenso livro que escondi nas prateleiras de meus dias e declamarei todas as linhas como o poeta orgulhoso de si e de sua obra-prima. Quando ela estiver aqui vou ser menino, poeta e cantor.
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