Luz
Se não fosse a luz por detrás de tudo eu jamais saberia... Que a dor ainda que seja sempre doída pode ser saborosa e contemplativa e não há atalhos para fugir dela e se houvesse, seria tirado do homem o dom de sobreviver, de chorar e de sorrir. A dor. Nada é mais próprio. Nada é mais humano. Nada comprova mais que há vida.
É esse silêncio constrangedor e também a piada propícia ou fora de hora que gera gargalhada. É essa proposta de aventura descabida sob o argumento que se assim não fosse não seria aventura. Iluminado que nos permite iluminar os caminhos que podem ser difíceis, tortuosos, mas que precisam ser percorridos. A luz nos acompanha, mas muitas vezes é preciso também ser luz. Por vezes, não vemos a luz, não porque ela não esteja ali, mas porque às vezes atentos nos tornamos cegos e com receio de prosseguir estagnamos.
O medo nos afasta das descobertas e das surpresas. A falta do desafio nos tira a taquicardia, mas também não nos permite ver o fim da história. É preciso arriscar, é necessário ficar e estar para viver o fim da história que pode ser bom o ruim, bonito ou feio, provavelmente inesperado, mas que será uma história exclusiva e quer cheia ou vazia, mas nunca por terminar. É preciso colocar a luz sobre nossas histórias, para enxergar melhor cada palavra, para não perder nenhuma linha do que está escrito e do que ainda está por escrever.
Sabe, a vida e a morte existem e isso não há como negar. E ainda que controversas tenham por trás delas a mesma luz. A luz permanece intacta e não muda pelo que está à frente dela. Seja a folha verde ou seca, seja o fruto maduro ou podre. Seja a flor rosa ou azul. A luz é sempre a mesma ainda que em todos crie a sombra. Mas a sombra é apenas reprodução inócua da forma, não reproduz a essência, ainda que produto da luz. Assim, não existem seres mais iluminados e menos iluminados, existem apenas proveitos melhores de luz que ilumina sempre e a tudo. Nada escapa à luz, nem mesmo a sombra.
E saiba que por detrás de toda luz existe um murmúrio de dor. A dor existe. É também luz que ilumina. O que não quer dizer que por assim ser, não seja menos doída. É doído sentir que algo lhe falta, como é doído saber que momentaneamente tudo lhe parece estar completo. A dor está no silêncio. A dor está no estrondo das multidões. A dor vem no amor perdido, como chega com o amor que vem e permanece no amor que fica. A dor só visita a quem está vivo, vívido e intenso, como a luz que é a própria dor. A dor está para a luz como a luz está para a dor e só a dor pode iluminar cada canto para que então se possa diferenciar todo o resto do que é felicidade. Para diferenciar a bonança da intempérie é preciso ter experimentado as duas, é fundamental ter enxergado e vivido ambas. Dói viver, dói amar e tudo que vem com eles. Dói enxergar, dói saber que a luz permanece sobre a atitude e também sobre a inércia. E por isso mesmo a luz é cheia de dor... Mas a luz insiste em atravessar os porões, insiste em vencer a escuridão que esconde. Dói saber que esse momento será saudade amanhã. Dói aprender que tudo passa e a vida passa sobre a luz que penetra. Mas é preciso viver.
A luz está aqui como sempre esteve, mas é preciso querer enxergá-la, é necessário se dar para por ela ser contemplado. Não é preciso dar nada em troca, a não ser a entrega que lhe permitirá o privilégio de viver de verdade.
A luz que acende o coração é a mesma que apaga o brilho dos olhos. A luz que vê o nascer do sol é a mesma que escurece o céu e se empresta à lua e às estrelas. A luz está em tudo, para todos, em todos os instantes. É a dor que dói, mas é muito mais o clarão que permite ver e sentir o que insistimos em esquecer ou em disfarçar que não existe. Mas a luz é teimosa e sua teimosia é o que nos torna iluminados.
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