A vida
Toda vez que tentei decifrar a vida acabei não desvendando o enigma. Nesse desafio, a vida ficou ainda mais indecifrável para mim e eu ainda mais indesvendável perante ela, ainda que tudo tenha ficado menos confuso para mim. Não que eu tenha descoberto o grande segredo ou o gigantesco mistério. Acho que ninguém o teve, tem ou terá. Dessa forma, a vida recorre a simples e possivelmente banal, mas sábia afirmação: para viver a vida é preciso vivê-la! É necessário experimentá-la! É preciso arriscar! Com certeza, aqueles que nunca viveram jamais terão o segredo ou desvendarão o mistério! Há quem viva morto a vida inteira.
Mas temos chance de tirar nossas próprias impressões, ainda que seja difícil ter conclusões. Nossas impressões mudam como o tempo, mudam com o tempo, até que o tempo...
Ávida vida, ácida vida! Divertida vida! E a vida se faz no finito de cada momento infinito. É esse tempo que nos escapa nesse espaço que nunca mais será o mesmo depois daquele instante. Vê! Piscou os olhos e não se vê mais da mesma forma que estava antes. É o vento, é o tempo, é a vida acontecendo. E a vida acontece sempre, quer você aconteça ou não!
Mas a vida não é argumento, discurso, tampouco essas frases misturadas aqui. É uma porta fechada, uma estrada que se abre, uma garrafa que explode, um balanço que se move, um laço que se rompe, uma tela que se colore, uma música que dança... O milho que vira pipoca, o olhar que se consome. É essa beleza perturbadora, é essa feiúra assustadora, saudade, alívio, dor de garganta e também de cotovelo, embriaguez necessária, estupidez dispensável, simplicidade avassaladora, arrogância pecadora, silêncio encantador, humildade enganadora, suavidade, naturalidade...
É a força, é o medo. Medo de ser feliz, da solidão, de ser você mesmo, de ser alguém que não se conhece e de repente descobrir que se trata de um desconhecido mesmo. Medo de ver a história terminar, medo de ser água, fogo, ar, terra... Medo de ficar triste, menos ansioso, mais ignorante ainda que mais inteligente. Medo de ser necessário demais ou desnecessário de menos. Medo de ser cruel, verdadeiro, imaginativo, realista, palhaço, dançarino de can-can, especialmente naqueles instantes que ninguém está vendo! Medo de amar, de se ferir, de se dar, de se ter, de unir... Medo de ser humano demais. E somos tão cheios de medo que o medo por fim nos dá coragem para deixar de ver a vida e ser a vida.
E a vida é isso e muito mais! É o que somos, é o que queremos ser e é o que seremos! É sentir ainda que o sentimento passeie para fora de gente e é tão bom quando isso acontece! E é tão bom quando isso contagia e escapole de todos os meios e formas que criamos para tentar controlar o rumo do vento que acaba por levar nossos passos e abraços para repousar naquilo, naquele que nos completa.
A vida é também essa falta de controle, essa dificuldade em planejar, esse temporal nas estratégias e estratagemas, a surpresa que nos surpreende, a novidade que nos visita. É a casa vazia que de repente fica cheia e de tão cheia parece vazia, para que no fim fique vazia mesmo ainda que cheia de histórias, memórias, lembranças...
Assim a vida pode ser mesmo esses três pontinhos depois de cada frase ou pode ser tudo que vem antes deles... Não sei o que é a vida. Sei que às vezes ela é áspera, doce, ácida, ávida, difícil, divertida e sempre mágica. Teorizar sobre o que é a vida não importa, embrulhe as teorias e descubra por si mesmo e redescubra através dela tudo que ela pode dar. Com medos, receios... Vá de moto, avião ou com as próprias asas mesmo... Ande, corra, voe, brinque com o tempo, entre na ciranda, canse, descanse, fuja, se retire para se reapresentar porque a vida é assim: um eterno retirar-se e reapresentar-se, mas sempre compartilhar, compartilhar-se. É esse ato, esse fato de cada minuto que se constrói, se destrói e se eterniza. É ironia, mistério, incerteza, enigma. É o que se sente e também o que se recusa a sentir. É o que se esconde e também o que se revela. A vida é, enfim, essa eterna falta de definição. Se fosse possível defini-la que graça teria?
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