Afastamento
O simples sopro do vento pode separar grãos de areia a distâncias incalculáveis. Talvez tornem a estar juntos, talvez nunca mais se vejam. Possivelmente se esbarrem e até se cumprimentem, mas o afastamento os tornará definitivamente desconhecidos.
E levados ou não pelo vento, passamos a vida colecionando desconhecidos até o ponto de desconhecermos a nós mesmos. Em determinado instante, pode até parecer que perdemos a sombra, que ela fugiu de nós, quando na verdade nos desligamos da alma. É nessas horas que o coração paralisa e já não sente. Perde os grandes momentos da vida, ainda que os veja. Mas não basta ver, é preciso sentir. Para distinguir os gostos que os dias têm é necessário saboreá-los. Melhor ainda quando você se lambuza...
Mas nos isolamos. Mas nos afastamos por sermos afastados e também por afastar. Não percebemos que na vida o que importa são aqueles que trazemos juntos pelo caminho. Alguns trazemos pelo pé, outros nos oferecem as mãos, alguns nem vemos, mas nos protegem. Há aqueles que invadimos e ganhamos pela insistência, como outros pela displicência, perdemos. Já quis ter muitos, já tive poucos, mas se cheguei sozinho... Não, não! Não quero ir sozinho! Não quero ir com muitos, nem com poucos. Quero os de verdade, esses que me entristecem e também me alegram, esses normais que são loucos, esses loucos que não sabem o que fazem e também fazem propositalmente.
Seremos magoados, como magoaremos. Sofreremos decepções tanto quanto decepcionaremos. Eventualmente, seremos traídos como poderemos trair. Mas nada disso é argumento consistente para não confiar que essa coisa de estar junto, unir pessoas, reunir gente à sua volta, pode dar certo. Não há certezas, porém também não há nada que garanta o contrário e vice-versa. É preciso acreditar! A solidão não é bom lugar. Mas é preciso esforço, vontade, dedicação, há que se querer perto, há que se dar para ter, há que se plantar para colher... E disso, todos sabem.
E perdoaremos. Dispensaremos as desculpas esfarrapadas, mas teremos e serão dadas muitas desculpas, assim como muitos obrigados, alguns até desnecessários. Teremos intervalos curtos, outros duradouros de paixão, assim como teremos afastamentos momentâneos. O que não pode, o que não é certo é permitir que esses afastamentos se prolonguem e nos transformem em desconhecidos. Não precisamos de mais cumprimentos só por educação. Precisamos conversar no silêncio, necessitamos numa relação dessa intimidade de entender o que o outro fala, mesmo que não diga nada. Precisamos amar, pois só o amor é capaz de zombar do vento, desse vento que separa grãos de areia a distâncias incalculáveis. Só o amor pode assegurar o cumprimento das promessas de reencontros. Só o amor pode evitar esses afastamentos que enferrujam nosso destino, apagam nossa história, corroem nossa alma e nos tornam mais sozinhos, menos ricos, pouco sábios, infelizes.
Eu não conheço ninguém que seja absolutamente feliz sozinho. O abraço é a energia das horas e não dá para sobreviver eternamente abraçando a si mesmo. Precisamos uns dos outros. Sejamos colecionadores de pessoas. Atentemos para o perigo que é o afastamento e não nos permitamos se perder. Eu sei, eu sei que não depende apenas de um, mas, às vezes, é preciso lutar. A vida é uma luta nessa busca pela felicidade... Nem sempre se é feliz, mas é bom saber que de todas as batalhas a única que não se perde é a da insistência para se ficar bem, mesmo contra o vento, mesmo contra as distâncias, mesmo contra a indiferença alheia. Somos grãos de areia na beira do mar, sem porto seguro, mas com uma gana danada para estar junto e se, te, nos fazer feliz...
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