Saindo de casa
Como o grande autor de si mesmo, peço licença para me retirar. Deixar essa tolice toda de lado e seguir... Com novas escolhas, para em novas escolhas ter novos horizontes com outras pessoas, num mundo recheado de outras coisas. No sonho de ser repleto, fui vazio, na gana de entender, deixei de ser entendido. Solitário por entre as multidões sou só um passo errante em direção a algo melhor do que tudo isso. Sou esperança mais do que medo até porque quando o que se perde não é tanto, não há qualquer receio em arriscar. O que quero é apenas sair...
Não exijo aplausos ou lamúrias, não quero valsa ou silêncio. Apenas quero a permissão para sair de cena. Como a lua em seu interlúnio, como o pensamento que falta ou a mentira que ilude. Quero ser o prolongamento desses intervalos em que não há preocupação para saber onde está e o que está fazendo. Quero ser a falta dessa dúvida, por completo esquecimento de que existo e também sucumbo.
Ao sair de cena, com ou sem grande estilo, sinto falta de muitas coisas, muitas pessoas no palco e na plateia e por isso me acomete a saudade. Não sinto falta da infância como a maioria, talvez sinta mais saudade da minha primeira paixão. Sem isso minha vida seria um tanto incompleta perante o fato de que uma biografia sem paixão é apenas mais uma história que não se lê mais de uma vez. Talvez, esse seja o capítulo mais generoso de minha história. O capítulo em que não me importei em ser rei ou plebeu, apenas me reconheci e fui melhor do que antes e do que depois. É nesse capítulo que sorri como nunca, passei a gostar de música e comecei a escrever poesia. Deixei de me importar com o tempo e tanto o sol a pino como a chuva ou o frio me satisfaziam, pois o meu interior, o que sentia estava completo, sem a necessidade de qualquer outro mais do que aquilo que já tinha. Foi nesse momento que me tornei um exagerado e nunca mais consegui deixar de ser. Um pouco dramático e também iluminado.
Minhas confissões me atropelam. Minha dor me torna frio. Minha essência escapuliu de mim... Em meio à tirania e ao heroísmo não fui nem herói, nem tirano. Nos tantos personagens que inventei, nenhuma das roupas coube ou cabe em mim. Assim, de peito estufado e cabeça caída deixo o palco. Não peço luzes, não quero música ao fundo, quero apenas a suavidade de meus passos errantes partindo em busca de novos palcos, para novos olhares, para outras saudades. Cessar meu turbilhão de palavras e estender o fim para a frente. Nem feliz, nem triste, mas sofrido, arranco as flores que nasceram em minha alma e jogo-as à plateia e assopro as pétalas que porventura insistam em ficar no palco para que nenhuma migalha sobre ao palco. Meus coadjuvantes não merecem o palco, abdico de meus personagens e dou-os àqueles que eu acreditei que poderiam se vestir deles. Não quero mais olhar para meus personagens corrompidos pela insensibilidade, pela ausência, pela indiferença do mundo. Saio de cena para voltar em outro contexto, com outros personagens, com outras histórias para, quem sabe, acumular outras novas saudades.
Como o grande autor de si mesmo, eu sei bem a hora de encerrar a história, eu sei melhor do que ninguém até quando o leitor aguenta e até quando posso insistir em ficar. Posso partir a qualquer hora, posso ficar um pouco mais, mas talvez seja hora de ir sem olhar para trás, até porque as expectativas podem ser frustradas e não se pode esperar por ser surpreendido, pois ao esperar não há mais surpresa. Começar uma nova história, cheio de experiência e é exatamente isso que temo. Quando conhecemos demais o ser humano podemos deixar de dar a devida chance a quem realmente merece, por isso continuarei nas novas histórias chorando pelos personagens a que me juntei e por aqueles que eu acreditei que seriam os melhores. Mas também serei surpreendido e sorrirei bastante dessa loucura toda. Mas, por agora, nessa transição de mim para mim mesmo, apenas quero sair de cena.
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