Estranha Noruega
As vezes, parece que o mundo nos olha mais do que deveria observar. É nesses dias que a chuva é bem-vinda, talvez para roubar um pouco dessa cena toda, tão focada nos deslizes e apelos, tão apegada a gestos e falas, um tanto insanos e corretos, um pouco desligados, mas sempre mais atentos do que se possa supor.
Não sei se a vida é boa ou ruim, só sei que ela está aí debruçada em meus atos cheios de falhas e alguns acertos. O desfecho é tão distante, que tenho medo que esteja próximo demais. Só sei que todos os dias encontro com a vida e me parece que nem sempre posso fazer dela o que bem entendo. Por vezes, só quero gritar, há horas que só gostaria de chorar, muitas outras queria ficar ali, no canto, rindo disso tudo, sozinho comigo mesmo, meio que isolado do mundo, repleto de esperança de fazer realmente parte dele. É aí que me desenho no imenso mapa-múndi, perdido nas ilhas da Oceania ou escondido na estranha Noruega. Será que faria diferença?
Traduzo meus sentimentos em palavras mal colocadas e no torpor dos versos que me escapolem, as lembranças dão o sentido que necessito para deter a crise existencial que me visita. Lembranças recentes de agora pouco, assim como as longínquas de uma infância já distante perturbam minha boa solidão e me motivam a querer ser parte disso tudo e me empurram para continuar colhendo pessoas...
Eu sei, sei que terão promessas vãs, pessoas más e cruéis, nenhuma sensibilidade e muita pressa para ir embora. Mas também sei que terão compromissos comprometidos, pessoas boas e fantásticas, muita sensibilidade e nenhuma pressa para partir... Então, no acerto após muitos erros e enganos, tudo estará perfeito, tudo ficará bem no entrelace de mãos que aquecem o fogo alimentado pelas lembranças futuras de encontros duradouros.
Não gosto de me decepcionar, mas só não se decepciona quem não escolhe. Você escolhe atravessar a rua ou não, estender as mãos ou não, a menina do restaurante ou da academia, o rapaz da loja ou da farmácia, história ou matemática, pizza portuguesa ou manjericão... Escolhe e se deixa ser escolhido. Decepciona-se ou decepciona, mas tudo porque escolhe e é escolhido. E não adianta falar que a melhor escolha é não criar expectativas para sempre ser surpreendido. Acordamos cheios de expectativas e vamos dormir cultivando expectativas. Das mais simples às mais impossíveis, das mais inúteis às mais loucas, das menos perversas às menos ousadas, das menos infantis às menos poetizadas. Somos seres repletos de expectativas e isso é tão bonito como também é sofrível, mas arrebatador. E se a vida é boa ou ruim, será o que nossas expectativas frustradas e consolidadas e às vezes surpreendidas disser, sem jamais concluir!
Não há conclusão para nada, porque você é exatamente quando era criança: curioso, indagador, misterioso, sonhador e fascinante... Cresce, mas pode crescer mais, pois o céu não tem limite e suas (nossas) incertezas também.
E é na incerteza que nasce a coragem e no medo que surge o herói. Somos todos heróis, o problema é que nos disfarçamos e esquecemos-nos de tirar os disfarces.
Num mundo dominado por vilões, tememos o outro, tememos o sonho, tememos descobrir quem somos. A crise existencial invade e não adianta querer se mudar para os Alpes suíços ou para as ilhas da América Central, pois ainda assim você leva consigo o peso de parecer que o mundo te observa mais do que deveria. Você falha e acerta aqui e em qualquer outro lugar. Você cruzará com o bem e o mal ao atravessar qualquer rua de qualquer avenida de qualquer cidade. Mas vai entrelaçar suas mãos e terá lembranças duradouras, porém, terá expectativas e vai se decepcionar na mesma proporção que se surpreenderá. E no fim de tudo, ficará sem concluir se a vida é boa ou ruim, mas verá ela debruçada bem na sua frente esperando você rir ou chorar.
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