Cheiro de Infância
Têm cheiro de infância essas lembranças que se aconchegam nesse amanhã que já é hoje. É cheiro bom, como mato e chuva, é sabor indescritível de vida vivida intensamente. Nostalgia. Sorriso espontâneo, encanto por tudo que é mágico ainda que simples. E tudo é sempre descoberta até se descobrir que há ainda muito por se ver, se ter e ser... Mas todas essas expectativas são próprias de quem foi criança um dia.
E esse cheiro de infância é tão bom que nos faz retornar e ser criança outra vez sem ser criança. Àquelas coisas próprias de um tempo que nos satisfaz e traz saudade. Não a saudade doída, mas advinda daquilo que foi bom e passou sem que quiséssemos que passasse. Mas tudo passa e sempre passará. As coisas boas e ruins e até as que nos fazem felizes!
E é esse sorriso espontâneo. Esse choro forçado próprio da pirraça. Essa malandragem natural de quem quer atenção. É essa falta de vergonha de rebolar na frente de todo mundo. É esse sonho de voar, ainda que de poltrona em poltrona. É essa carência sem qualquer temor de ser descarada. É a desnecessidade de esconder o que se quer, o que se sente, o que se vê, o que se ama.
E não sei se é o amor ingênuo desprovido de interesse que faz a infância ser tão bela ou se é a completa inexistência do medo de amar. De qualquer maneira infância tem cheiro de amor e o amor encontra na infância a sua maneira de ser infantil.
Tem cheiro de infância esse retorno breve ao labirinto dos dias. Das coisas escondidas prontas para serem achadas numa saborosa caça ao tesouro. E o tesouro é a vida. Vida que transborda na piscina de patinhos de plástico e se renova na guerra de travesseiros desta ou daquela festa do pijama que não volta mais, ainda que se tente reconstituir a mesma festa do pijama com aquelas mesmas pessoas.
É triste ver a alma envelhecer quando a alma pode ficar mais experiente sem necessariamente ter que carregar toda a responsabilidade imposta pelos anos. As mentiras e verdades, as ilusões e decepções vêm e vão e não precisam ficar acumuladas na estante da nossa história se empoeirando. Ainda que escondidas, incomodam nossa existência, sempre tão passageira. Podemos ser crianças outra vez.
Tem cheiro de infância e o cheiro não é de pipoca ainda que pudesse facilmente ser. É um cheiro de querer mais sem voltar atrás, é um sabor de tutti-frutti, mas não é exatamente tão artificial. É natural como se todas as frutas roubadas do pé do vizinho pudessem ser misturadas para se chegar a um chiclete de sabor único cujas bolas nos levassem ao céu. Um balão, um imenso balão de chiclete soprado pelo nosso pulmão cheio de vida...
E a gente corre tanto para chegar a lugar nenhum que nem percebe tanta coisa. Tantos fatos, tantos abraços, tantas mãos passam despercebidos enquanto brincamos de pique-bandeira, pique-cola e pique-alto. Salada mista e queimada. Mas é assim que é a vida! A gente não percebe que está sendo feliz enquanto se é feliz. Porque a gente não se preocupa com felicidade enquanto se é visitado por ela. Quando se cresce, às vezes, até se esquece de se preocupar com a tal felicidade que cada vez passa mais longe da gente. Talvez ela queira brincar de pique, apostar uma corrida de carrinho de rolimã. Mas quem disse que estamos dispostos para brincar? E tudo era melhor e mais fácil quando se era criança, pois criança melhora tudo, facilita a chegada da felicidade, nada teme e tudo espera, até Papai Noel e o coelhinho da Páscoa.
Tem cheiro de infância essas lembranças tempestivas que fazem arruaça no coração. Mexem com nossos narizes de palhaços que já não são tão avermelhados assim. Não há mais fantasia, não que a fantasia tenha fugido de nós, mas é que nos esquecemos de vesti-las... Mas o cheiro de infância fica perfumado na alma que não se esquece que foi muito feliz um dia.
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