Aventuras e desventuras
Minhas crenças mudam de tempo em tempo, se refazem como a pele que cobre o meu corpo que na pretensão de me proteger esconde o que eu realmente sou. Por mais que minhas crenças mudem, o cerne delas fica ali, está ali para sempre norteando meus caminhos, às vezes abertos, confusos, mas sempre prontos para serem desbravados. E não há outro motivo para prosseguir, mesmo que se pudesse, gostaria de voltar.
Assim se constroem minhas aventuras e desventuras e por vezes nem percebo que minha história está sendo escrita ainda que eu seja o ser ativo de toda essa viagem. Como diriam os bons, autor de meu destino, como diriam os outros, responsável, o único responsável por minhas escolhas e o resultado delas.
Já acreditei em amores explosivos, desses que beiram o suicídio, de tirar o fôlego e despir a alma. Desses que deixam a perna bamba e fazem você perder o controle da voz que gagueja, do sorriso que não sai ainda que queira transbordar, da lágrima que fica presa nos olhos, retida para não se revelar. Estúpido tanto quanto intenso. Voraz tanto quanto feroz. Ingênuo ao ponto de traçar planos e estratégias que se jogam fora ao primeiro desviar dos olhos para a única coisa que pode distraí-lo: olhar nos olhos do amor que te explode e te faz renascer a cada novo segundo. E falar de pele e de cheiro e de jeito é absolutamente irrelevante. É entrega e dependência por livre e espontânea vontade. É perda de pernas, mas ganho de asas. E não há aventura e desventura que te mude mais, que te transforme mais, que te dê mais sobrevida.
Já acreditei em eternidade. Nessa possibilidade de paralisar o tempo ou estender momentos ao infinito. De ter pessoas para sempre ou morrer junto ao lado delas. Mas até estrelas morrem, até constelações se apagam. Laços se rompem pelo natural desgaste do tempo, pelos deslizes de cada parte, pelos apelos e apegos não correspondidos. Pelo fato de que nem sempre se está ou estará junto ainda que se prometa, ainda que se pactue. O tempo não reconhece pactos, mas eu já acreditei nisso. E não há aventura e desventura maior que a de conversar, aceitar a até convencer o tempo que ele pode estar errado e que ele, o tempo, pode ser vencido pelos milagres. E em milagres eu ainda acredito ainda que amanhã possa ser diferente, pois minhas crenças mudam de tempo em tempo.
Já acreditei em perdões, em cura para as feridas. Porém, os remédios são apenas analgésicos momentâneos. As feridas passam, mas as cicatrizes ficam. É dor adormecida que acorda quando as lembranças gritam. Não é amargura, nem se trata de mágoa. São marcas tatuadas no âmago da alma, traços imperfeitos desenhados pelas experiências vividas. Há causas perdidas e perdões que jamais serão concedidos por receberem tal classificação. Um ato muda tudo e não há perdão quando se supõe o que poderia ter sido se assim não fosse. Ainda que caladas, as feridas fazem prelúdios de dor. Dessas escondidas, maquiadas, que estagnam ao temerem, que provocam ao retrocederem. Mas só se machuca quem pula, só cai quem se aventura, só se fere quem arrisca uma desventura em nome da aventura.
Já acreditei em tantas coisas que já nem sei... Já acreditei em sonhos, em ser o que não posso ser ou em ser três coisas ao mesmo tempo ou em estar em dois lugares ao mesmo instante. Já acreditei na possibilidade de voltar no tempo com o que sei hoje, como já acreditei ser capaz de pular o hoje para chegar logo ao amanhã. Já acreditei que podia domar o vento, derrotar o medo, coordenar o mar, brecar o que sinto e fugir do que sou. Já acreditei que minha fé moveria montanhas e que meu amor seria suficiente para compensar a falta de amor do outro. Já acreditei em rimas perfeitas sem razão e em poemas sem objetivo ainda que com destinatários. Já acreditei que meus enganos eram erros da natureza e que meus acertos eram acaso. Já acreditei na sorte tanto quanto duvidei do azar. Já acreditei que minhas crenças mudam de tempo em tempo, mas sou o que sou e acredito no que acredito ao ponto que minhas crenças me movem, me levam para todos os lugares e também para lugar nenhum. Porque o vazio que me evapora é o mesmo intenso que me infla e ambos me transformam. E essa é a minha grande aventura tanto quanto desventura.
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