Palavreando - 09 de maio

Por Wanderson Nogueira
sexta-feira, 08 de maio de 2009
por Jornal A Voz da Serra

O futuro do presente

Gai a noite escura sobre as sombras de um amanhã que logo virá. Não há som algum vindo dos becos, não há música alguma surgindo do sono velado de cada um que já dorme em seu leito solitário. A vida vai passando despercebidamente como a música que cai do céu, mas que não se ouve se não tiver alma atenta.

E o futuro é o grande drama do homem. O futuro impede de ser e sentir. Se não existe futuro, não existem segredos, expectativas, anseios, medos, frustrações, estratégias, planos, mentiras, esconderijos, máscaras ou invenções. Quando você sabe que não existe amanhã, você simplesmente se entrega e é quem verdadeiramente é. Corre como uma criança atrás do caminhão de sorvete, abraça o filho como o velho que teme que aquele possa ser o último abraço e ama ardentemente a amante que acaba de conhecer. Conhece verdadeiramente o que é a paixão. Um apaixonado sabe desvencilhar-se do futuro, pois um apaixonado respira o momento e aquilo pra ele já é o bastante, talvez pelo menos por aquele instante, é suficientemente o que precisa saber acerca da vida e de suas grandes belezas. Paixão é realização!

Quando o futuro não preocupa, você não se esconde atrás daquela proteção para o amanhã, se joga da cama e não quer saber se haverá chão para segurá-lo, porque se houver você sabe onde irá parar e se não tiver você experimentará voar!

Por mais que se diga que o hoje é tudo o que se tem, a gente desperdiça grande parte do hoje planejando o amanhã. O amanhã é importante, mas se ao menos dedicássemos um pouco do hoje para viver hoje, para ser hoje... Talvez hoje não fosse importante apenas para o passado, seria hoje intenso e iluminado.

Desce o sol forte sobre as folhas que caíram das árvores na estação passada. Há muito barulho dos becos, não há música alguma surgindo das cidades, apenas gritos misturados ao choro de quem acorda, roncos de motores e pneus acelerando. A vida vai correndo e vamos freando a vida e sem que se perceba a pele envelhece e mesmo que se estique a pele, ainda assim a idade dela não pode ser mascarada perante a cobrança dos dias.

E o futuro é o grande drama do homem. O futuro nos impede de sermos imortais. A imortalidade seria um exagero de Deus para conosco, pois nos impediria de temer a nós mesmos. Tiraria de nós o amor, porque o amor é antes de tudo temor de perder aqueles por quem daríamos a própria vida para ver bem. Faria com que perdêssemos mais tempo com acúmulos de bobagens idiotas, afinal teríamos todo o tempo do mundo para recuperar e prestar atenção naquilo que realmente importa: o nascer do sol, o encontro diário da noite com o dia, a sinfonia do mar, a segurança das montanhas, aquele sorriso, aquele olhar, aquela surpresa de repentinamente ser feliz... Um apaixonado sabe o que é isso, assim como conhece a deliciosa dor de perder algo realmente bom, algo conscientemente importante. E com ou sem futuro, um apaixonado sonha em ser correspondido, mas acima de tudo espera se apaixonar de novo, pois se há algo que faz alguém se tornar alguém melhor é a paixão! Paixão é felicidade exagerada! Paixão é a centelha que acende a chama da vida, é a tal coisa que torna a história mais interessante. Talvez, porque o futuro não importe, como não importa para a criança que brinca por horas no quintal sem se preocupar com banho, janta, sono ou amanhã, como não importa para o velho em seu leito de morte clamando e agradecendo pelo milagre de cada suspiro a mais que lhe é concedido, talvez uma última música, um último beijo, abraço ou olhar. Quando o futuro não importa, você valoriza mais o que tem agora, o que é agora, você se entrega a você. Você é o que é, simplesmente assim...

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