Os partidos políticos e o desafio da legitimidade

Sistema brasileiro promove distorções que podem estimular a infidelidade partidária
sexta-feira, 22 de abril de 2016
por Ivan Correia
Os partidos políticos e o desafio da legitimidade

Em meio ao complexo cenário político do Brasil aproxima-se o mês de outubro, onde ocorrerão no país as eleições para prefeito e vereador. A crise política, financeira e, diriam muitos, social, serviu para embaralhar uma conjuntura já bastante débil. Partidos políticos se tornam entidades ainda mais frágeis do ponto de vista ideológico, com eco e credibilidade cada vez menores junto aos eleitores. Eleitores esses que são compelidos legalmente a se manifestarem formalmente perante uma urna a cada dois anos, em um dos poucos países democráticos onde o voto é obrigatório.

Essa mistura de subdesenvolvimento e espasmos de modernidade forçada já foi caracterizada por historiadores, sociólogos, economistas e cientistas políticos de todas as estirpes como uma marca registrada do país. Se o desafio é grande na hora de tentar entender a política brasileira, não é menor na hora de tentar entender como funciona a cabeça da maioria dos políticos. Especialmente quando da troca de partidos, que marcam o cotidiano de nossos representantes.

Esquizofrenia

Como ilustra a tabela que acompanha esta reportagem, em Nova Friburgo, dos 21 vereadores eleitos em 2012, apenas dois permaneceram nos partidos pelos quais foram eleitos, com quatro deles chegando a passar por três partidos diferentes entre 2012 e 2016. Partidos como o PSB, que elegeu quatro vereadores, hoje não têm nenhum. Já partidos bastante díspares, como o Psol e o DEM, saíram do zero em 2012 para quatro e três vereadores, respectivamente, em 2016.

O cientista social, Rodrigo Garcia, mestre em ciência política pela UFF e professor da Universidade Estácio de Sá, alerta, contudo, para o perigo de se resumir uma análise política à condenação moral dos indivíduos que a compõem, sem levar em consideração outros fatores que não o fisiologismo.

Ainda assim, Garcia caracteriza como ‘esquizofrênico’ o sistema eleitoral proporcional no Brasil. “Ao mesmo tempo em que o partido é privilegiado pelas regras, enquanto entidade coletiva na hora de se calcular o quociente partidário para preencher as cadeiras, a figura individual do político tem um peso enorme no mesmo cálculo”, avalia Garcia argumentando que, a despeito de muitos políticos se movimentarem entre partidos por razões de cunho fisiológico, não se pode desprezar o efeito que as regras eleitorais têm na hora em que decidam permanecer em uma legenda, apenas por razões ideológicas, sem nenhum pragmatismo. 

“Muitas vezes, o político pode até ser um cara muito honesto, comprometido, mas com as regras brasileiras ele pode se ver em uma conjuntura em que, por razões alheias à sua vontade, se vê obrigado a trocar de partido ou inviabilizar sua vida pública”, argumenta Garcia. Ele cita como exemplo a formação das coligações partidárias, composição que determina os vereadores e deputados que serão eleitos.

Esse detalhe não só é importante para o cálculo das cadeiras que serão ocupadas, como as coligações são muitas vezes feitas por costuras de lideranças partidárias, sem envolver a base de sua militância, que em muitos casos preferiria manter uma identidade mais clara, ainda que à custa da perda de assentos nos parlamentos.

Esse é, aliás, outro ponto importante do quebra-cabeça: a disparidade muitas vezes presente entre a coerência ideológica de uma militância partidária e aqueles que, a partir dela, se elegeram para cargos públicos.

O joio e o trigo

Outro fator importante, talvez o mais significativo, é exatamente o mais subjetivo: conseguir qualificar as razões por trás de cada troca de partido que um político faz. As trocas legítimas, sejam por razões verdadeiramente ideológicas ou casos de expulsão de um membro, muitas vezes se perdem em meio ao fisiologismo.

Primeiramente, permanência em um partido não significa necessariamente consistência ideológica. O PMDB é o exemplo mais claro disso, abrigando um considerável quadro de políticos que nele permanecem há décadas por questões de conveniência, especialmente os quadros que atuam em Brasília. O partido foi, até o momento, imprescindível para qualquer presidente eleito compor maioria no Congresso Nacional.

Nesse sentido, é imprescindível ressaltar que as tabelas compostas para essa matéria não têm como objetivo fornecer vaticínio sobre a qualidade de cada vereador de Friburgo, papel que cabe unicamente ao eleitor, mas sim ilustrar o quadro partidário atual na cidade. Além disso, fidelidade partidária não é o único critério para se analisar a qualidade de um político. Nomes de peso nacional à esquerda e à direita são celebrados pela sociedade sem muitas vezes se saber por qual partido militam, muito menos qual a pauta e a orientação de cada partido.

Por fim, mais complicado ainda é saber quem provoca o que: em um país com baixíssimo índice de filiados a partidos políticos, são os eleitores despolitizados e seu apego a personalidades que enfraquecem a identidade dos partidos, ou o sistema é quem permite que essa dinâmica se instale?

Quociente eleitoral e quociente partidário

Esse assunto nunca foi novidade para os iniciados, mas muita gente ainda fica confusa quando o assunto é eleição, principalmente no que diz respeito à forma como vereadores e deputados (estaduais e federais) são eleitos.

O principal ponto que gera confusão é o fato dos mais votados não serem necessariamente os eleitos. Isso é algo que pode até ser de conhecimento geral, mas a maioria das pessoas se confunde ao tentar explicar o porquê.

A pedido de A VOZ DA SERRA, Rodrigo Garcia ajudou a preparar um gráfico para esclarecer aos leitores como funciona o processo eleitoral proporcional, que dita as regras para as eleições de vereadores deste ano.

Como funciona a eleição para vereador

1. Quociente eleitoral – Divide-se o número de votos válidos computados na eleição para vereador (voto nominal e voto na legenda) pelo número de vagas. Despreza-se a fração, se igual ou inferior a 0,5, arredondando para 1 se superior.
Exemplo: No caso de Friburgo, a última eleição para vereador teve 94.157 votos válidos e a Câmara tem 21 cadeiras. Vamos ver como fica, então:
94.157 / 21 = 4.484
Friburgo teve um quociente eleitoral alto, pelo menos quando comparado com o que cada vereador conseguiu de votos. Joelson do Pote, o mais votado, obteve apenas 2.643, em uma eleição bastante pulverizada em termos de distribuição de votos.
Atente agora para o próximo passo.

2. Quociente partidário – Divide-se, agora, o número de votos válidos (voto nominal e voto na legenda) dados a cada partido ou coligação pelo quociente eleitoral, sempre desprezando qualquer fração. 
A partir do exemplo de Friburgo, em que o número de votos válidos foi de 94.157, resultando quociente eleitoral de 4.484 votos, suponha-se que um partido A obteve 40.157 votos, o partido B, 30 mil e a coligação C, 24 mil votos, computando-se os nominais e na legenda, o quociente partidário seria:
Partido A: 40.157 / 4.484 = 8 vagas
Partido B: 30.000 / 4.484 = 6 vagas
Coligação C: 24.000 / 4.484 = 5 vagas

Importante ressaltar: cada partido vai preenchendo as vagas de acordo com a lista dos mais votados. Já uma coligação preenche as vagas de acordo com os mais votados do conjunto, independente do partido.
Sendo assim, no exemplo acima os oito mais votados do partido A são eleitos, enquanto os cinco mais votados entre todos os partidos que compõem a coligação C são eleitos.
Somadas as vagas distribuídas o número chegaria a 19, restando duas vagas a serem preenchidas pelo chamado cálculo das sobras.

3. Sobras – Divide-se o número de votos válidos (voto nominal e voto na legenda) dados a um partido ou coligação divididos pelo número de candidatos a que tem direito + 1. Aqui não se arredonda o resultado, que é chamado de média.
Partido A: 40.157 / 9 = 4.461,8
Partido B: 30.000 / 7 = 4.285,7
Coligação C: 24.000 / 6 = 4.000

No exemplo acima, o partido A, por ter a maior média de votos, terá a 20ª vaga.
Para ocupar a 21ª, deve-se repetir o mesmo cálculo, para o partido ou coligação que obteve a vaga anterior. Nesse caso, dividindo o resultado do partido A por 10, ou seja, 9 vagas + 1. Veja:
Partido A = 40.157 / 10 = 4.015,7
Conforme o exemplo acima, a próxima vaga seria do partido B, uma vez que, refeito o cálculo do partido A, a média de votos obtida por ele seria inferior a do partido B.
Em casos onde houvesse mais sobras, esse cálculo é feito sempre adicionando +1 a todos os partidos ou coligações que vão ganhando vagas com as sobras, até preencher todas.

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TAGS: Eleições 2016
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