Um mês após o fatídico 12 de janeiro de 2011, já surge o primeiro mistério, latente, incansável e indesejável, que Nova Friburgo precisará enfrentar e superar na futura reconstrução: a instabilidade política. Para compreender tal mistério, são necessárias algumas reflexões prévias sobre a política, constantes nas linhas abaixo.
Inicialmente, entre 1930 e 1945, intensificou-se a industrialização do Brasil. Em 1945, com a queda do Estado Novo, sensível às mudanças sociais e geográficas advindas daquele processo e percebendo a necessidade de ordenar a abertura política pós-1945, Getúlio Vargas criou dois partidos políticos: o PTB e o PSD.
A intenção era clara: ao PTB, caberia o manejo das massas de operários que se formavam nas grandes cidades brasileiras e algumas médias, desarticulando os movimentos de inspiração marxista; e ao PSD, a acolhida das oligarquias do interior. Com isto, embora afastado da Presidência da República, Vargas exercia o controle político sobre o proletariado urbano e a aristocracia do interior — as duas classes sociais que lhe deram sustentação durante o Estado Novo (1937-1945). Note-se que ambas as siglas situavam-se na centro-direita.
O controle político municipal buscado por Vargas com a criação do PSD intensificou o poder político das oligarquias estaduais. A relação entre as oligarquias municipais e estaduais modificou-se profundamente. De relação de simples legitimação, com alternância constante de quadros, passou a uma relação de submissão através da formação de uma oligarquia estadual. Surgiam, na política brasileira, o Caciquismo e os famigerados “Caciques” estaduais.
Por outro lado, sob a liderança do jornalista Carlos Lacerda, para articular a direita opositora a Vargas, criou-se a UDN. Este partido político detinha maior força sobre o empresariado urbano e a classe de pequenos proprietários urbanos e rurais e suas zonas de influência social.
Os primórdios da sigla remontam à forte oposição sofrida por Vargas no estado de São Paulo no início de seu governo, o que culminou na Revolução Constitucionalista de 1932. Mencione-se que até à Constituição Federal de 1934, havia o permissivo legal para a existência de partidos estaduais, pois cabia às oligarquias estaduais o controle sobre o Direito Eleitoral. Por esse motivo, até 1945, a oposição a Vargas era adstrita aos estados, sem uma articulação nacional.
Em Nova Friburgo, o processo ocorreu de uma maneira diferente em virtude da falta de identidade do Rio de Janeiro como Unidade da Federação e da proximidade geográfica com a capital da República na época, a cidade do Rio de Janeiro. Embora se vislumbrassem chefes políticos estaduais, não era consolidada uma oligarquia estadual que exercesse relação de dominação com as oligarquias municipais. Assim, a política local recebia influência direta do cenário político nacional.
Em nossa cidade, após 1945, consolidaram-se dois grupos políticos antagônicos, cujas relações entre si foram, historicamente, marcadas pela latente tensão, transformada em confronto não raramente. Passo a analisá-los nas linhas posteriores.
O primeiro grupo era aglutinado pelo PSD. A pergunta que se faz é a seguinte: por que não o PTB? A cidade não era (e é) industrial, com um grande contingente de operários? Resposta: Porque à época, o operariado friburguense não apresentava uma articulação de ideologia nem uma identidade de classe, frutos da forte repressão policial à organização proletária, ocorrida a partir de 1933, e da intensificação da migração para o município.
Voltando ao cerne, a ação política daquele grupo era permeada pelo Populismo, com fortes laços clientelistas. Para entender, pois, a ação política deste grupo, é preciso compreender, brevemente, os fenômenos do Populismo e do Clientelismo.
Na Ciência Política, em linhas gerais, Populismo refere-se a qualquer movimento político que estabelece o povo como massa em oposição aos mecanismos legítimos de representação e controle, próprios da democracia representativa. Trata-se de uma combinação de autoritarismo e dominação carismática, tendo como pano de fundo o contato direto do líder carismático com as massas sem intermediação de partidos ou corporações.
Além de aparelhar as classes sociais da base da pirâmide social, historicamente, tal prática foi um instrumento de integração das massas à vida política, pondo-se este como anteparo entre o povo e o aparelho do Estado em virtude da conjugação de repressão estatal, manipulação política e satisfação de demandas populares.
Em “O Populismo na Política Brasileira”, o Ministro Francisco Weffort atribui ao populismo a decorrência de um longo processo de transformação da sociedade brasileira desde o Golpe de Estado de 1930, liderado por Getúlio Vargas. Assim, o fenômeno manifesta-se de uma dupla forma, a saber estilo de governo e política de massas, fazendo surgir expressões como “Estado de compromisso” e “aliança de massas”. Tudo aquilo fundamentado na persuasão de massas por uma liderança carismática, característica de sociedades que alimentam a autonomia da personalidade individual e a personalização da política.
Nesta toada, o Clientelismo estabelece um mecanismo de favor que ao supor a instalação de uma barganha por obediência e lealdade, torna-se atributo essencial nas relações sociais de uma comunidade, permeando-a como um todo. Desse modo, em linhas gerais, são práticas principais do clientelismo o uso do favor como moeda de troca nas relações políticas entre desiguais, a posição do controle político através da cooptação e o enfraquecimento de mecanismos de participação política direta às classes sociais menos abastadas.
O Dicionário de Ciências Sociais (1987: 277) é lapidar ao caracterizar as práticas políticas de clientela como aquelas que se baseiam na capacidade de atender a demandas de benefícios visíveis e imediatos em troca de votos. É pertinente a assertiva porque a sociedade apresenta uma considerável reserva de necessidades e carências. E é neste vácuo econômico e social que a relação de clientela estabeleceu-se.
Nova Friburgo já apresentava uma forte industrialização desde a década de 1910, sob o modelo de substituição de importações. Por esse motivo, e diante da desarticulação do operariado — já analisada —, a grande massa de operários tornou-se alvo da ação política do grupo de inspiração populista, que com ela, estabeleceu uma relação de aliança direta do chefe político carsimático, fundada na troca de favores.
O fenômeno do Clientelismo, especificamente o caráter da troca de favores, estabeleceu-se como traço marcante das relações sociais de Nova Friburgo. Neste contexto, se por um lado, a relação de clientela baseava-se em uma aliança de massas decorrente da reserva de necessidades das classes menos favorecidas, por outro, a organização fordista do trabalho industrial, na qual o trabalhador é um sujeito passivo, pressupunha uma relação mecânica entre o capital e o trabalho. Assim, em Nova Friburgo, o trabalho assumia o grau mais extremo da relação de troca, que pressupunha uma dependência, sem qualquer possibilidade de lampejo de uma racionalidade ou de um racionalismo salutar.
A formatação urbana da Nova Friburgo de meados do século XX propiciava o cotidiano de uma “aldeia industrial”, delimitada pela localização das quatro maiores indústrias de capital alemão nos limites da zona urbana. E de uma aldeia cujas relações sociais eram fundadas pela troca de favores. Daí a força do Populismo, com fortes laços de Clientelismo, em Nova Friburgo.
A disseminação dessas relações sociais, com a influência no cotidiano, pois, foi facilitada por i) a formatação urbana da Nova Friburgo de meados do século XX, baseada na “aldeia industrial”; ii) a troca de favores, que permeava as relações sociais e econômicas dos friburguenses no cotidiano.
Por outro lado, em oposição aos populistas, em torno da UDN e com base social na classe de proprietários de indústrias e grandes comércios, outro grupo político aglutinou-se. A ação política do grupo era permeada pelo Caudilhismo. Para entender, pois, a ação política deste grupo, é preciso compreender, brevemente, o fenômeno do Caudilhismo.
Na Ciência Política, em linhas gerais, Caudilhismo refere-se ao agrupamento político que exerce o poder através da figura do Caudilho e a partir dos costumes ou da tradição ou do carisma. Em linhas gerais, os Caudilhos são líderes políticos ligados a setores tradicionais da sociedade que exercem o poder de maneira autoritária, estabelecendo com seus adeptos uma relação emocional fundada na fidelidade e na lealdade.
A atuação política de um Caudilho dá-se em uma conjuntura de instabilidade, de insegurança, nos limites entre o risco e o perigo. Nesta situação, o caudilho põe-se em defesa dos interesses que ele e seu grupo elegem como da coletividade, sem considerar os canais de democracia direta e as circunstâncias econômicas, sociais e políticas.
Assim, em Nova Friburgo, os populistas ficaram na órbita do PSD, depois do MDB e, por fim, do PMDB; já os caudilhistas, na da UDN, depois da ARENA, depois do PDS e, com o cisma deste partido, no do PFL.
Como já dito, os dois grupos sempre permaneceram em latente e constante tensão política. Em muitos momentos, distanciados, em outros, mais próximos, mas sempre em tensão, moderada ou extremada.
O primeiro conflito político ocorreu em 24 de agosto de 1954, quando da morte do Presidente Getúlio Vargas. Com o objetivo de “vingar” a morte do político, integrantes do PSD depredaram a sede do diretório municipal da UDN, situada na antiga Rua São João, no Centro (ao lado da Catedral São João Batista). Felizmente, sem notícia de vítimas.
O segundo momento de enfrentamento ocorreu no período compreendido entre 1962 e abril de 1964. Nas eleições de 1962, os dois grupos políticos formaram uma vitoriosa coalizão nas eleições municipais para enfrentarem o crescimento da influência política de políticos marxistas da cidade, então filiados ao PSP, partido cujo cacique político era o governador paulista Adhemar de Barros. Chegando ao poder, as diferenças surgiram, houve uma ruptura e...
O terceiro relevante momento de enfrentamento aconteceu na década de 1990, quando os dois grupos disputaram, nos tribunais, o cargo de Prefeito. Mas antes de continuar esta reflexão, são necessários alguns apontamentos que atingem as políticas estadual e nacional.
No cenário nacional, cumpre mencionar o desgaste político do PFL. O PFL perdeu espaço político no seu reduto tradicional, o Nordeste. Isto se deveu, dentre outros fatores, ao seu desgaste enquanto partido egresso do regime militar, ao passo que seu adversário regional, o PMDB, manteve a imagem de partido democrático combativo à ditadura (embora em muitos casos, como o do antigo Estado do Rio de Janeiro, os chefes políticos estaduais celebravam alianças secretas com o regime). O desgaste foi aguçado, ainda mais, com a saída e a subsequente ida do clã Sarney para o PMDB. Com vistas a resolver o problema, mudou-se o nome do partido para Democratas, o que não foi suficiente para reverter a situação...
Merece destaque, também, a guinada à esquerda da política brasileira. Neste processo, constam como protagonistas o PSDB, do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e o PT, do Presidente Lula, sempre sob o atento olhar do PMDB. Diante disso, posicionou-se a ação política do PSDB na centro-direita e a do PT na centro-esquerda, influenciando todas as relações políticas brasileiras e friburguenses.
No cenário estadual, em meados da década de 1990, após duas décadas de disputas internas entre os pemedebistas do antigo Estado do Rio de Janeiro e do antigo Estado da Guanabara, o PMDB fluminense celebrou um acordo interno, dando início a um processo de redimensionamento de poder no estado. Ao se oxigenarem os quadros, formaram-se novos caciques e o PMDB, herdeiro político do legado do PSD de Vargas, reassumiu o seu papel histórico de partido de base municipal.
Com a força dos novos caciques estaduais e o entranhamento do partido nos municípios deste estado, o PMDB atraiu para o seu campo político oligarquias de diversos municípios fluminenses. Deu-se início, assim, a um processo de escalada pelo poder estadual que culminou na vitória eleitoral de 2006.
Pois bem. O enfrentamento político dos populistas e dos caudilhistas, ocorrido na década de 1990, acabou por enfraquecer ambos os grupos. Liminares à parte, em 2000, os caudilhistas celebraram a aliança com um partido de frente popular, o PSB. Esta aliança foi a vencedora do pleito, iniciando um novo capítulo na conturbada história política de Nova Friburgo.
Novamente, nos primeiros momentos, ocorreu uma ruptura de orientação dos caudilhistas com a cúpula municipal do PSB. No entanto, uma segunda ruptura aconteceu: parte do grupo caudilhista, sem contar mais com a liderança do chefe político de outrora, permaneceu no governo, ajudando a formar o terceiro grupo político da cidade.
O novo grupo político, embora pertencente a um partido de frente popular, apropriou-se de práticas políticas dos populistas (tais quais as práticas clientelistas) e dos caudilhistas (tais quais a atuação política na conjuntura de risco e perigo).
Frise-se, também, que em paralelo à tomada de poder pelo PSB, aconteceu um racha interno no grupo populista com a saída do então chefe político dos quadros do PMDB, no início da década de 2000.
Com a impossibilidade de a chefe política do PSB concorrer à reeleição, os populistas e os caudilhistas aproximaram-se mais uma vez e celebraram uma aliança política que se sagrou vitoriosa em 2008.
No entanto, diante do histórico de tensão política, acabou por acontecer mais uma ruptura entre os dois grupos, o que se nota na atualidade.
Após tantas décadas de confronto político, cabem algumas colocações.
Em 1970, o que eram Macaé e Rio das Ostras e o que era Nova Friburgo? E hoje, o que são Macaé e Rio das Ostras e o que é Nova Friburgo? Em 1990, o que era Itaboraí? E hoje, o que é Itaboraí?
Quem não se lembra do caso Teacher? E cadê a Teacher hoje?
Lembram-se do caso Schincariol? E nós preocupados com as famosas liminares... E cadê a Schincariol hoje?
E aí? Cadê a Nestlé? Lá em Sapucaia... E nós? Onde estávamos? Ressalvada uma honrosa exceção, desvendando aquele mistério que insiste em perambular por nossas ruas...
Enfim. Cadê os empregos de que os friburguenses precisam? Certamente, foram levados pela instabilidade política que assombra Nova Friburgo há décadas...
É! Uma dose de pragmatismo, com fortes pitadas de responsabilidade, não faz mal a ninguém!
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