“O homem sábio pensa antes de falar;
por isso o que ele diz convence mais.”
Provérbios 16:23
A propósito do equivocado e tendencioso artigo intitulado “Operação Anos Dourados termina em pizza”, publicado neste jornal em 20.02.09, de autoria de Max Wolosker Neto, este Procurador da República vem esclarecer o que, de fato, vem ocorrendo em decorrência da citada operação, dentro dos limites do sigilo decretado pela Justiça Federal.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que os processos decorrentes da Operação Anos Dourados são vários, tendo sido propostas até agora duas denúncias, dois aditamentos e duas ações civis públicas. Há ainda inquérito complementar e outros procedimentos desdobrados.
A primeira sentença relativa à operação condenou Carlos Alberto Balbi Moura, Jeferson Martins de Souza e Alexandro, Robson e João Batista de Oliveira por formação de quadrilha, e apenas Batista por tráfico de influência. Considerou ainda que as demais condutas teriam intenção de captação ilícita de votos para Balbi, crime de competência eleitoral. Isaías Martins, acusado de ser agenciador, foi absolvido. O MPF já interpôs recurso desta decisão, pedindo condenação de todos os réus pela participação nos crimes de tráfico de influência. Caberá ao Tribunal decidir se agravará as penas, que o autor do artigo comparou a “uma reprimenda a garotinhos que quebraram a vidraça do vizinho”, partindo erroneamente do princípio de que tal decisão encerrava a discussão sobre a operação.
Mas há outros processos e investigações e, incluindo os beneficiários de todas as fraudes, mais de duas mil pessoas estão envolvidas nos diversos ilícitos criminais, de esfera federal, estadual e eleitoral.
E uma segunda sentença federal, do processo principal relativo à cúpula da quadrilha de Barcelos, com dois aditamentos relativos a agenciadores e servidores, foi prolatada há poucos dias, sendo certo que as penas foram bem mais elevadas, como se pode observar no site www.jfrj.jus.br, na coluna “Imprensa”. A título de exemplo, podemos consignar as condenações de José Carlos Barcelos, a mais de vinte e dois anos, por usurpação de função pública, peculato eletrônico e formação de quadrilha (por fingir ser fiscal do trabalho e comandar os ilícitos relativos a diversos benefícios); de Wilton da Costa Mello, a oito anos e três meses de reclusão, por formação de quadrilha e participação em peculato eletrônico (recebia um benefício ilícito e era procurador de outros cinco); de Carlos Alberto Balbi Moura, a seis anos e quatro meses de reclusão, além dos dois anos e três meses da primeira sentença, com decretação da perda de seus dois cargos públicos, por formação de quadrilha e estelionato (a sentença reconheceu inclusive a ilicitude de benefício percebido pelo próprio); e de Bernadete Fontenelle de Mayrink, a dezesseis anos anos de reclusão, por formação de quadrilha e peculato eletrônico (a sentença reconhece sua responsabilidade na concessão de diversos benefícios fraudulentos, decretando a perda do cargo). Todas estas penas deverão ser cumpridas com efetiva prisão (as penas de Balbi, somadas, imporão o regime fechado), sem conversão em penas alternativas. Parece-nos, portanto, que a “pizza” deve ter sabor bem mais amargo do que a “saborosa calabresa” a que se referiu o articulista de 20 de fevereiro passado, sem sequer se informar deste outro processo.
Outros foram condenados, ainda outros tiveram decretada extinta a punibilidade, pela pequena participação e pela colaboração nas investigações. Apenas João Batista Pedroti Filho foi absolvido (embora responda a outra ação penal ainda em curso). O MPF recorrerá deste e de outros aspectos da sentença. Certamente as defesas também apelarão. E o Tribunal, mais uma vez, decidirá.
Quanto aos “dois funcionários do INSS de Friburgo” mencionados no citado artigo, contra os quais “nada teria sido provado”, esclareço que não houve tal hipótese. Se o autor do artigo estiver se referindo a seus colegas peritos – Dr. Max Wolosker não se identificou como tal, mas é, ou pelo menos era, até pouco tempo, médico perito do INSS - há que se esclarecer que dos dois peritos presos, um (Balbi) já foi condenado a mais de oito anos de reclusão, e o outro perito teve prisão temporária decretada porque atendeu a diversos “pedidos” de Balbi para concessão de benefícios. Há filigranas jurídicas que não afastam os indícios, mas dificultam a responsabilização de alguns, pelo menos por enquanto. E se a referência for à funcionária que repassava a Balbi informações do sistema relativas a diversos segurados, e recebeu em troca uma promessa de emprego para seu esposo, há que se registrar que sua conduta ainda é objeto do inquérito complementar, que teve seu andamento extremamente prejudicado para viabilizar consultas das partes e do Juízo.
Para que ações penais cheguem a bom termo, não se pode fazer aditamentos açodadamente, nem denunciar precipitadamente mais de dois mil envolvidos. Mesmo quando há requisitos para a prisão temporária por cinco dias, nem sempre poderá se iniciar de imediato a ação penal em relação a todos. Ainda há muito a ser investigado e denunciado. O trabalho de combate às fraudes não parou nem pode parar. É necessário, porém, cumprir etapas, desmembrar processos. Isto está previsto no Código de Processo Penal.
É bom também consignar que oitenta por cento do tempo gasto para a conclusão das ações penais decorreu de inúmeras diligências requeridas pelas defesas, sem falar nas dezenas e dezenas de habeas corpus impetrados.
O artigo de 20.02.09 levantou a hipótese de que “desejo de punir” poderia ser tão forte que ofuscasse “a evidência dos fatos”. Não para este fiscal da lei. Concordo com o sábio Salomão: “O que justifica o ímpio, e o que condena o justo, são abomináveis ao Senhor, tanto um como o outro” (Provérbios 17:15). Nosso sistema, aliás, impõe o oposto: por mais que a “evidência dos fatos” nos dê a certeza da “culpa”, a necessidade de cumprimento de requisitos legais, o zelo imparcial e impessoal nas centenas de processos e procedimentos que passam pelo MPF todos os meses, e o infindável cabedal de recursos, tornam a pretensão punitiva estatal - tradução para o “juridiquês” do anseio de toda a sociedade pelo fim da impunidade - sempre menos efetiva e célere do que todos gostaríamos.
Pode até ser que a demora na responsabilização de todos os envolvidos leve alguns a crer que “no Brasil o crime compensa”, outra hipótese cogitada naquele artigo. Mas as condenações recentes, o expurgo das fraudes e o estancamento da sangria de milhões e milhões de reais dos cofres públicos demonstram que o árduo trabalho conjunto do MPF, da PF e do próprio INSS, na denominada Operação Anos Dourados, valeu a pena.
Ao fim e ao cabo, o que temos que reconhecer é que, de fato, a justiça tarda. Mas não falha.
Jessé Ambrosio dos Santos Júnior, Procurador da República.
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