O sumiço dos leões que durante décadas fizeram a alegria das crianças vem provocando uma onda de protestos pelas redes sociais e através da coluna Voz dos Leitores On-line de A VOZ DA SERRA. Natural. Gerações após gerações, friburguenses e turistas fotografaram seus fi lhos sentados nos leões enquanto estes ficaram em frente à antiga Câmara Municipal ou, mais tarde, do Salão Azul da prefeitura.
Os protestos estão vindo de toda parte. Até o jornalista e colunista de O Globo, Zuenir Ventura, se manifestou. “Os leões devem ficar ao alcance das crianças. Eu mesmo não cheguei a ser fotografado ali, mas via as crianças da minha época de Friburgo, sentadas neles. Quero levar Alice, minha neta de três anos, para fazer o que eu não fi z. Esses dois leões não mordem, não precisam ficar fora do alcance da garotada”, disse.
Há alguns meses, porém, os dois felinos foram retirados de lá. Desde então, ninguém sabe para onde foram. Onde foram parar? Será que voltarão a ficar ao alcance da população? Nossa reportagem saiu em busca de informações sobre o destino dos leões e, para tanto, entrevistou os responsáveis pelo setor de patrimônio da Secretaria de Cultura, Lilian Barretto e Luiz Fernando Folly.
Sim, não adianta choro nem vela. Já é fato consumado. Os leões voltarão a ser expostos, em breve—segundo a prefeitura, no mês de julho—mas fi carão a quase seis metros do chão, em cima de quatro colunas, que estão sendo construídas—duas ao lado (entrada) do Centro de Arte, e duas na outra lateral do Casarão, em frente à Academia Friburguense de Letras, de acordo com o projeto original. Ambas fi carão, portanto, fora do alcance das pessoas, como acontecia em tempos idos.
A ideia é respeitar o projeto original da edificação e proteger as esculturas do vandalismo. Pode ser triste para quem se acostumou com os leões num pedestal quase no nível chão, mas os motivos alegados pelos historiadores são irrefutáveis. Basta dizer que os nossos leões, de saudosa memória, estavam num estado lastimável, coitados. Com as patas e rabos quebrados, furos no dorso, sem dentes, pichados. As pessoas podem ter a impressão de que foram fabricados com um material muito resistente, afi rma Folly, mas não é bem assim. Em ferro fundido, não chegam a ser, digamos, imortais. A não ser que sejam bem tratados e protegidos, como toda obra de arte que se preze.
Vale ressaltar que nossos amados leões são obras de arte raras, de imenso e reconhecido valor, inclusive no mercado internacional. Nova Friburgo é possuidora de não apenas dois, como muita gente pensa, mas de quatro dos seis únicos exemplares destas estátuas existentes no Brasil. As outras duas, com detalhes um pouco diferentes, foram para a Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
Todas elas foram fabricadas nos idos de 1840 pela Fundição Ducel, na França, e devem ter sido adquiridos pelo Barão de Nova Friburgo numa de suas viagens a Paris. Inicialmente, os quatro leões foram colocados na frente da Casa do Barão, dois de cada lado, compondo a fachada neoclássica da edificação. Anos depois, já na década de 1920, a prefeitura comprou o prédio, doando o terreno ao lado para a construção do primeiro correio da cidade.
A DANÇA DOS LEÕES
Quando isso aconteceu, o portão ali existente foi demolido e os leões, retirados. Aí começa a dança... dos leões. Dois foram para a lateral do casarão, ao lado da antiga Câmara e em frente à atual Academia Friburguense de Letras. As estátuas permaneceram naquele local por muitos anos. As outras duas ficaram guardadas até os anos 40, quando a prefeitura comprou a casa do Barão de Duas Barras, onde hoje funciona a Faculdade de Odontologia, instalando os leões ali, na base da escadaria interna. Mais um pouco e os leões mudam de endereço novamente. Passaram uma temporada na entrada do antigo Hospital Regional (hoje, Hospital Raul Sertã), também em cima de duas colunas.
Anos depois, um prefeito tirou estes leões de lá, levando-os para sua fazenda. O tal prefeito acabou devolvendo os bichos para a prefeitura, onde ficaram abandonados num depósito, cobertos de poeira, ferramentas de obras e entulho. Até que um secretário, passando por lá e vendo os leões abandonados, deu ordens para que fossem colocados em frente ao Salão Azul, na Prefeitura.
Mais um tempo e os pobres felinos se mudaram de novo, indo para a entrada do Centro de Arte. Detalhe: durante este traslado, feito sem o devido cuidado, uma das peças ficou rachada e a outra teve uma das pernas fraturada. Chegaram à nova casa em petição de miséria. Tiveram que ser reconstituídos, mas a “cirurgia”, mal feita, deixou sequelas que agora, anos depois, estão dando o maior trabalho ao restaurador.
Os outros dois leões, que estavam na frente da prefeitura, foram sendo detonados. Quebraram a pata de um deles com uma barra de ferro, assim como a cauda. Quebraram os dentes, um deles fi cou totalmente sem suas presas. No último carnaval, fi zeram dois furos enormes no dorso, picharam, um horror. Conclusão: ou salvamos estas peças enquanto é tempo ou deixamos que sejam destruídas, completamente.
ESTÁTUAS NO CTI
Os nossos leões, portanto, foram levados para o CTI e, no momento encontram- se em franca recuperação, sob os cuidados do restaurador Valdinei Correia da Silva, mas devem sair do hospital em breve, para o deleite de todos nós. Detalhe: Correia, como é mais conhecido, está doando seu trabalho para o bem de Nova Friburgo. Aliás, o serviço só está sendo possível graças não só a ele, como a três empresários locais. Se todos fossem iguais a eles, nossa cidade estaria muito melhor, com certeza.
Mas, por enquanto, a Secretaria de Cultura prefere não divulgar o local em que as estátuas estão sendo restauradas, por motivos de segurança.
Não dá mesmo para discutir. Impossível deixar este patrimônio exposto ao vandalismo desenfreado, como acontecia até então. É lamentável. Principalmente para nós, que tiramos fotografias, sentados nos leões e nos acostumamos a fotografar ali as nossas crianças.
Depois de “curadas”, as esculturas serão colocadas em quatro colunas, no mesmo local em que fi cavam em priscas eras. Duas de cada lado do prédio da atual Oficina Escola, antiga Casa do Barão de Nova Friburgo, um dos bens mais preciosos que ainda possuímos. E as outras duas serão devolvidas a seu lugar de origem, contribuindo, assim, para a reconstituição da fachada do prédio e a proteção destas magníficas obras de arte de valor incalculável.
“Estamos trabalhando para que Nova Friburgo seja revitalizada através de seu bem mais precioso: a sua história, tão peculiar. É nosso dever cuidar do nosso patrimônio material, para que as gerações futuras possam conhecer e respeitar sua memória”, afirma Lilian Barretto.
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