Em 1993, em uma de suas mordazes críticas ao nosso governo, Gabriel, o Pensador reserva um trecho de “175 Nada Especial” para desabafar sobre a então situação do professor no Brasil: “Daqui a pouco tá pedindo esmola / Ele é um mestre, baú de sabedoria / Esse não é o valor que um Professor merecia / Profissional de primeira importância pro nosso futuro / Ninguém mais quer ser Professor pra não viver duro / E ele desceu em outra escola pra dar mais aula / ‘É que eu trabalho nos três turnos, chego em casa e ainda corrijo prova’”.
Mas isso foi há 25 anos, pouco tempo depois de Fernando Collor ter sofrido o impeachment que anunciava um novo despertar democrático para o povo, que acabava de sair de um longo e tempestuoso regime militar. O que será que mudou de lá pra cá?
Bem, as queixas dos profissionais da Educação permanecem contundentes no que diz respeito à valorização do professor, que até hoje não desfruta de um salário digno e de condições adequadas para o exercício de seu nobre ofício.
Enquanto escrevo isto, inevitavelmente lembro do dobrado que minha mãe cortava para dar aula em uma escola na área rural: tinha que pegar um ônibus (em decrépito estado) até o distrito, para depois caminhar por três quilômetros de estrada de chão, enfrentando cansaço, poeira e lama para realizar um dos gestos mais belos da humanidade: ensinar.
Seria até injusto condenar a negligência de nossas autoridades políticas em relação ao ensino público, uma vez que seus carros oficiais não lhes permitem sair do trajeto apartamento de luxo – gabinete. Talvez a culpa seja do professor, que cursou o magistério enquanto poderia estudar para virar político, uma das profissões mais bem remuneradas do país. Contudo, o ideal de ser um instrumento da educação prevaleceu – para nossa sorte.
Certa vez, ouvi uma professora dizer para seus alunos, em um esforço homérico para não sucumbir a um ataque de nervos, que a “educação vem de casa”. Aqui não se trata de um profissional que “transfere” sua responsabilidade para os pais, mas que alerta para a importância do respeito pelo próximo, especialmente àquele que dedica sua vida para ensinar. Como seria possível educar uma criança que leva para as salas de aula o desrespeito e o descaso apreendidos em suas próprias casas?
O alarmante aumento da violência (verbal e física) contra o professor nas escolas deflagram a frágil situação em que o profissional se encontra, sem assistência e representação governamental. Contudo, ainda resta para os educadores algo de imensurável valor: a luta por transformar indivíduos em cidadãos munidos de educação e cultura, ferramentas essenciais para o enriquecimento individual e social.
Diante da inegável importância da educação para a consolidação de um povo forte e consciente, o persistente descaso com o professor é demasiado intrigante.
Tive uma professora de matemática no fundamental, dona Eloísa, que se recusava a aderir à greve dos seus colegas de profissão por melhores salários. Claro que ela era vista como uma espécie de “traidora da causa” pelos próprios companheiros – e confesso que até pouco tempo pensava o mesmo.
No entanto, hoje consigo compreendê-la melhor: a ideia de deixar seus alunos sem aula era algo inimaginável para ela, mesmo que abrisse mão de manifestar seu legítimo direito de reivindicar uma qualidade de vida mais digna. Dilema tão complexo quanto uma equação de segundo grau onde nem mesmo uma fórmula “mágica” como a de Bhaskara seria capaz de resolver.
Por mais que a matemática não tenha sido um dos maiores prazeres experimentados por mim enquanto criança e universitário, trouxe para a vida conceitos e valores que ultrapassam os limites da ciência de Tales, Pitágoras e Arquimedes. Sinto que minha professora tenha enxergado este meu aprendizado, que não poderia ser traduzido pelas minhas notas baixas, mas pela capacidade de questionar. Estou certo de que ela ficaria feliz ao ler isto.
Como filho de professores, vejo nos olhos de meus pais o brilho que seu ofício inspira, a despeito de todas as dificuldades estruturais e emocionais às quais estes profissionais são submetidos diariamente. No entanto, desprovidos de uma cultura política solidamente estruturada, aceitamos de bom grado big brothers do entretenimento como nossos verdadeiros heróis, enquanto quebramos a cabeça para solucionar nossa equação social de assombrosas incógnitas, indecifráveis até mesmo para dona Eloísa.
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