“O tetra é uma obsessão”

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
por Jornal A Voz da Serra
“O tetra é uma obsessão”
“O tetra é uma obsessão”

Vinicius Gastin

Inspirado no passado, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Saudade vai contar este ano a história da cerveja para tentar o inédito tetracampeonato do carnaval friburguense. O assunto predomina no barracão da roxo e branco, e a empolgação dos torcedores contagiou também os dirigentes — a escola decidiu abrir mão das melhorias planejadas para sua quadra para focar todas as forças na luta pelo quarto título consecutivo. Ao todo, serão investidos 400 mil reais para surpreender o público e os jurados na Avenida Alberto Braune, com a promessa de um show de efeitos especiais, movimentos nas alegorias e fantasias luxuosas.

Até o domingo de carnaval — dia 3 de março —, os preparativos para acertar os detalhes prosseguem ininterruptamente a todo vapor. Cerca de 15 pessoas trabalham diariamente para organizar o desfile da Unidos da Saudade, que será a segunda escola a se apresentar na Alberto Braune. Em meio às dificuldades financeiras, as agremiações de Nova Friburgo recorrem às coirmãs do Rio de Janeiro e importam fantasias e adereços, uma prática que se tornou natural nos últimos anos. 

Em entrevista exclusiva para A VOZ DA SERRA, o diretor de carnaval da Unidos da Saudade, Robson Poubel, fala sobre os desafios, as limitações financeiras e estruturais enfrentadas pelas escolas de samba. Envolvido diretamente com os desfiles há quatro anos, o empresário de 42 anos também comenta as polêmicas que envolvem a apuração das notas. "Os jurados precisam ser mais qualificados, mas nós fomos aclamados pelo público nos três títulos. Essas acusações nos deixam chateados.”

  

A VOZ DA SERRA: A Saudade vai brigar pelo inédito tetracampeonato do carnaval friburguense. A responsabilidade aumenta pelo fato de estar tão perto de conseguir o feito? O parâmetro para a avaliação da Escola está sendo diferente, mais rigoroso?

ROBSON POUBEL– A cobrança é muito maior. E isso acontece até mesmo internamente, por parte dos componentes, da direção da escola e da comunidade. A gente sempre quer mais e, até mesmo por isso, nós abrimos mão de investir em outras coisas para brigar pelo tetracampeonato. Fizemos somente o básico em nosso barracão. Depois do acidente no Sul [na boate Kiss, em Santa Maria, RS] houve um imprevisto e os bombeiros ficaram ainda mais rigorosos para liberar os eventos em casas noturnas. Logicamente, isso atingiu também as escolas de samba. Para não sermos interditados, tivemos que nos adequar e gastamos uma faixa de 30 mil reais para ampliar os portões de entrada e saída, a área de escoamento e outros detalhes. Houve uma cobrança para buscarmos o título, e é claro que todas as escolas estão contra a Saudade, que hoje é a agremiação a ser batida na cidade. Esperamos um embate muito bonito neste ano, mas estamos confiantes. O desfile da Unidos da Saudade deste ano está orçado em 400 mil reais.


Com relação à preparação para o carnaval, como funciona a parceria com as escolas de samba do Rio de Janeiro? 

Assim que acabar o desfile, em março, nós vamos ao Rio de Janeiro para comprar os materiais. A procura é grande das escolas de toda a região e de outras partes do país, não só de Friburgo. Nós temos que relacionar o que conseguimos comprar com o que queremos mostrar. Quem assiste ao carnaval não consegue identificar de qual escola é a alegoria, até porque nós misturamos para não ficar parecido. O mesmo procedimento acontece com as fantasias, e todas elas são modificadas dentro do barracão. 


Essa procura por alegorias e adereços no carnaval carioca é por falta de recursos ou de pessoal?

Na verdade, quem não acompanha o dia a dia critica muito essa forma de fazer carnaval, mas as pessoas não sabem que só dessa forma é possível fazer carnaval, por conta do custo. Assim, economizamos entre 50 e 80%. Nós não conseguiríamos fazer o carnaval de outra maneira. Nós temos mão de obra sim, mas para alguns setores específicos também não é fácil. O próprio carnaval carioca importa os escultores de Parintins para colocar os movimentos nos carros. Poderíamos também trazer essas pessoas, mas o custo seria três vezes maior. Em vez de comprar uma placa de isopor e contratar o escultor, por exemplo, nós compramos a alegoria pronta. 


O carnaval tem esse lado da geração de empregos. Quantas pessoas trabalham dentro do barracão para organizar o desfile da Unidos da Saudade?

Temos três funcionários fixos durante o ano todo. Em setembro, contratamos mais cinco, e a partir de janeiro são 15 pessoas trabalhando.


Por conta desse envolvimento de tantas pessoas, direta e indiretamente, você acha que o carnaval é mal explorado? Deveria existir uma estrutura e um investimento maior?

A gente entende que a prefeitura não possui condições de ajudar mais. Entretanto, o valor que é repassado é absolutamente irrisório e só cobre as despesas do dia do desfile. As escolas fazem a parte delas, mas o poder público não. Eles deveriam estar vendendo, comercializando e profissionalizando o nosso carnaval. Dentro da quadra a gente consegue, mas fora dali não compete à escola.


Muita gente considera o desfile das Escolas de Samba de Nova Friburgo como o melhor do interior do estado. Concorda?

Com certeza, mas apenas os desfiles das escolas de samba. O carnaval, de uma forma geral, não é o melhor do interior e perde até para Bom Jardim, por exemplo. O que segura são as escolas, e até por isso já merecíamos uma estrutura melhor para a montagem dos carros e organização do desfile. Mas isso compete à prefeitura.


Existe algum projeto nesse sentido?

Sim, e nós já apresentamos algumas vezes. A gente sabe que a cidade é geograficamente ruim para o desfile de carnaval, e não conseguimos visualizar os desfiles em um local distante do centro. A cidade tem essa cultura de centralizar os eventos. No entanto, por exemplo, já foi proposta a utilização da área da Fábrica Ypu para os barracões e para os desfiles também. Não seria um espaço só para os desfiles, e sim, para ser utilizado para qualquer evento cultural durante o ano todo, como é feito em Campos.


Com relação aos desfiles, percebemos uma polarização na disputa entre Unidos da Saudade e Vilage no Samba nos últimos anos. Por que isso acontece?

É uma questão complexa. Dentro das dificuldades, cada escola faz o que pode. A subvenção geralmente é liberada a uma semana do carnaval. Se não existirem investidores para injetar dinheiro um ano antes não é possível fazer nada. A Vilage foi a primeira escola a conseguir trabalhar dessa forma, e nós copiamos esse modelo de gestão. Foi um mérito enxergar quem estava à nossa frente e procurar repetir o que dava certo. Hoje, investimos o dinheiro e arrecadamos para recuperá-lo durante o ano, qualificando os ensaios e cobrando ingressos, promovendo eventos e equilibrando as receitas. Não é novidade pra ninguém que nos últimos 10 anos a Stam banca o carnaval de Friburgo, e ajuda todas as agremiações. A empresa faz o que o poder público não faz.


Outra questão interessante no carnaval é a participação da comunidade. Para muitos, a Saudade e a Imperatriz de Olaria mantiveram essas raízes mais fortes. Você concorda?

Com certeza, e sem a comunidade ninguém faz nada. Essa é a força maior que nós temos. Em troca desse apoio, há quatro anos não cobramos por nenhuma fantasia. A gente sabe que em termos de bairro a Imperatriz de Olaria é imbatível pelo fato de Olaria ser populoso. A Saudade não tem um ponto fixo de torcedores, e a nossa comunidade está espalhada por toda a cidade. Não temos um espaço nas ruas para fazer desfiles, como a Imperatriz tem feito nas ruas de Olaria. Mas em todos os anos realizamos o ensaio técnico na Ypu e reunimos muita gente.


As últimas apurações de notas em Nova Friburgo geraram reclamações e muita polêmica. Como você analisa essa situação?

O presidente da Liga é eleito, e tem a função de contratar um coordenador de jurados do Rio de Janeiro. O avaliador profissional é muito caro, e não viria a Nova Friburgo por apenas 300 reais. O que falta é a qualificação dos jurados, e como se paga muito pouco, acho que trazem pessoas não tão qualificadas para julgar. Mas eu acredito na lisura sim. Os nossos três últimos títulos foram compartilhados por grande parte das pessoas que assistiram aos desfiles. Isso pra gente é muito importante e valida as nossas conquistas. Fomos campeões pela opinião popular e nas votações da imprensa, uma unanimidade. A gente trabalha o ano todo para no final ter que ouvir esse tipo de coisa dos diretores de outras escolas. Essas acusações nos deixam muito chateados, mas faz parte do jogo. O que falta, talvez, seja aumentar um pouco o valor pago aos julgadores para trazer pessoas mais qualificadas.


Para finalizarmos, o que o público pode esperar da Saudade na avenida em 2014? Qual será o principal trunfo da escola para tentar o quarto título consecutivo?

Contamos com a garra da nossa torcida e dos componentes. Os desfiles são bonitos, e isso pesa um pouco. Mas o nosso ponto forte são as grandes surpresas. Todos os nossos carros vêm com movimento. Às vezes, quando estão parados, as pessoas julgam de uma forma, e talvez, as alegorias das concorrentes sejam realmente mais luxuosas. Mas os nossos carros ganham vida. Estamos trazendo o melhor profissional de efeitos especiais do carnaval carioca para nos ajudar. Serão muitas novidades, como um intérprete do Rio de Janeiro. Essa seria a nossa última opção, mas o Evandro Malandro vai desfilar pela Imperador do Ipiranga e o Guto pela Império da Tijuca, e ambos no mesmo dia e horário da Saudade. Nós tentamos criar tudo dentro da nossa quadra, até porque Friburgo é um grande exportador de talentos. Por isso, nós temos aulas para jovens passistas, mestre sala e porta-bandeira e bateria. Trazemos coreógrafos especializados do Rio para as aulas, o que é importante para manter a tradição dos desfiles.

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