Outro dia, assistindo ao interessante filme Intermadiário.com, refleti a respeito de uma frase do protagonista, um administrador competente de caráter duvidoso, responsável pela implantação da pornografia na internet, que classificou as pessoas em dois grupos: as que vivenciavam o sexo e as que não o fazem, dizendo assim: “As pessoas do lado de cá e as do lado de lá”.
As do lado de cá, grupo onde o personagem pertencia, eram aqueles que permitiam numa boa que a luxúria fizesse parte da vida. As do lado de lá, são só que fazem do sexo um tabu, da sexualidade uma vergonha e dos que assumem seus desejos, alvos de crítica e desaprovação. Isso para não falar da discriminação.
No livro “A casa dos Budas Ditosos”, de João Ubaldo Ribeiro, a personagem principal divide-se entre o papel de mulher da alta sociedade baiana, oprimida como toda mulher de décadas atrás, e a satisfação de sua própria libido. O genial é que essa mulher não se deixa influenciar por nenhum tabu da sociedade, e experimentou todas as possibilidades sexuais que quis. O livro é excelente.
As duas tramas mostram a repressão que o assunto sexo sofre, e como através dele—o sexo—se manipula, se descrimina a mulher, se ganha muito dinheiro, mas principalmente, como um impulso natural se torna uma forma de poder. Mostram também as brechas criadas ou construídas para escapar dos limites impostos, e dar vazão aos desejos e fantasias.
No filme, a possibilidade de ter acesso de forma secreta a conteúdos eróticos virou um negócio milionário, que quanto mais sigiloso mais lucrativo. Estar na privacidade de suas casas, sem se expor, nem se comprometer de alguma forma, parecia ser exatamente o que queria milhões de pessoas desse planeta, que a partir daí, passaram a se permitir de tudo em função da garantia de que ninguém irá saber.
Já a mulher do romance se achava no direito de viver seus desejos e usar o próprio corpo da forma quisesse. Na condição de mulher, não pode jamais durante a vida assumir isso, a não ser para algumas amigas e alguns parceiros. Muito interessante é a cumplicidade das mulheres dos livros para dividir algumas técnicas que proporcionassem prazer sem maiores consequências, que não fossem difamá-las. Assim, elas salvaram com todo heroísmo e dignidade a moral da época, sem abrir mão do sexo. Pura sofisticação.
E os do lado de lá? O que os motiva a reprimir o que sentem? A religião sempre foi um fator de destaque nesse caso, cheio de efeitos colaterais, diga-se de passagem. A moral e os bons costumes também são uma forte razão para alguns. Para esses o sexo é nocivo à sociedade e uma falha de caráter. Mas como classificar de costume um impulso que nasce dentro de nós? Cabe a essas pessoas o papel de fiscalizar os que sucumbem às tentações, e também, fiscalizar a si mesmos; talvez a tarefa mais difícil.
Ainda bem que pelo menos toda essa arquitetura de “fazer sem parecer que fez” e “gostar sem demonstrar que gosta” rende excelente filmes e livros. É intrigante como ainda para alguns esse recurso natural renovável custe muito dinheiro e culpa. Mas acho ambos comportamentos perfeitamente compreensíveis. Cada um tem o clímax que escolhe. E sobre a frase de que falei no início, era a seguinte: “No fundo, o que os que estão do lado de lá mais gostariam era de estar do lado de cá”.
davila.nf@hotmail.com
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