Oficialmente, chamava-se Bar Central, mas era conhecido como Bar da Fundação ou Bar do seu Mário, um imigrante português que preparava o melhor sorvete, as melhores vitaminas e os melhores sanduíches servidos na cidade.
Ficava ali na esquina da Rua São João (atual Monsenhor José Antônio Teixeira) com a Praça Dermeval Barbosa Moreira, onde hoje existe uma loja de bijuterias.
Dali saía a camionete que levava os alunos da Fundação Getúlio Vargas até o Parque da Cascata, onde ficava o colégio. A maior parte destes alunos vinha de outras cidades, principalmente da capital Rio de Janeiro, e quando chegavam à cidade costumavam deixar ali as suas malas.
Quem viveu este tempo se lembra muito bem da fama dos meninos da Fundação. As garotas gostavam deles, pois eram ricos se comparados com os meninos daqui, usavam roupas da moda e se comportavam de modo bem diferente dos rapazes da cidade. Já a sociedade local em geral os considerava “bad boys”, até porque estavam sempre arrumando briga.
Quando isso acontecia, seu Mário protegia os rapazes, não sem antes lhes passar um sermão em regra. O português era severo à beça. Quem frequentou o bar se lembra de suas broncas motivadas por brigas, provocações e comportamentos considerados inadequados ou impróprios. Mesmo assim, a turma não deixava de frequentar o bar.
Os bolinhos de bacalhau preparados por Dona Alcina, esposa de seu Mário, até hoje são lembrados com saudade pelos contemporâneos — tanto quanto os sorvetes de abacaxi, pistache, ameixa e creme holandês, tudo de fabricação caseira. Deliciosos. Inesquecíveis.
Inicialmente o Bar Central era frequentado, principalmente, pelos operários da cidade que marcavam ponto por lá depois do expediente, e à tarde, por senhoras, jovens e crianças que iam tomar sorvete. À noitinha, empresários e profissionais liberais sempre davam uma passadinha por lá para um chope com bolinho de bacalhau antes do jantar em casa.
Mas só para se ter uma ideia da importância do Bar do seu Mário, basta lembrar que políticos como Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Leonel Brizola e artistas como Dina Sfat, Cláudio Marzo, Reginaldo Farias e o ex-jogador e comentarista de futebol Gerson eram assíduos frequentadores. Sem falar nos veranistas que, nesta época, lotavam a cidade nas férias.
Foram 26 anos no ponto central da cidade, numa época em que não havia rede de lanchonetes no Brasil, e os estabelecimentos comerciais tinham a cara de seus donos.
O “point” dos rapazes da Fundação
“Lembro-me como se fosse hoje. Quando descíamos do colégio para o Centro, parávamos em frente a um parque de diversões, com sua roda gigante, quase na esquina da Rua Farinha Filho. Ao lado ficava o Mary’s Magazine, a imponente igreja matriz, o Cine Eldorado e... o bar do seu Mário.
Quando subíamos para a Fundação, à noite, depois do cinema, ficávamos esperando a camionete ali, no bar. O estabelecimento, em si, não tinha nenhuma sofisticação, mas se destacava pela limpeza e por servir um lanche fora do comum, com sanduíches, fatias fartas de queijo e presunto. Lá também encontrávamos sorvetes fantásticos, milkshakes, vitaminas de banana, abacate, mamão com laranja e outras que saciavam a fome de qualquer rapaz esfomeado, em fase de crescimento.
O que mais chamava atenção no bar, porém, era seu dono. Seu Mário era um homem calmo, delicado, atencioso, de gestos nobres e, acima de tudo, generoso. Sua generosidade era tanta que caprichava no sanduíche quando pedíamos para dividir por dois. Ele entendia que estávamos sem dinheiro e compensava no recheio do pão.
Seu Mário era português e eu conversava com ele sobre Belém, que é a cidade mais portuguesa do Brasil. Ele ouvia com atenção e curiosidade, querendo saber mais sobre aquela região que atraiu tantos conterrâneos seus. Ele me dizia que gostava muito do clima de Friburgo. Sua educação não lhe permitia dizer que achava o clima de Belém adverso, completamente diferente do que estava acostumado e... muito pior que o de Friburgo.
Nós, do colégio, ocupávamos todas as mesas do bar e ficávamos olhando as meninas e a partida da camionete. O bar de seu Mário era o “point” das meninas da cidade, pois era lá que nós, os rapazes da Fundação, nos reuníamos.
Os pedidos eram feitos diretamente para o seu Mário, que atendia com sua fidalguia e ar de nobreza. Somente quando os pedidos eram muitos ele requisitava ajuda a seus auxiliares.
Detalhe: seu Mário não nos servia bebida alcoólica. Aliás, bebida não era o forte de seu bar. O destaque mesmo eram os sorvetes, milkshakes e sanduíches. Inigualáveis.
Certa vez, vi o amigo Caçapa (Antônio Carlos Bastos Jr.) rindo às gargalhadas de um pedido feito pelo Zeno Veloso. Ele pediu uma “carapinhada de abacate”. Só que ninguém sabia o que era “carapinhada”, expressão típica do Pará que nem é mais usada. Para os paraenses de hoje, “carapinhada” é o popular milkshake. Mas, seu Mário não se espantou com o pedido de Zeno e trouxe a tal “carapinhada”, como lhe foi solicitada, explicando que em Portugal também era assim que se falava.
Um nobre, seu Mário. O tipo da pessoa que, pelas suas atitudes, com seu alto nível de educação, se tornou inesquecível para todos que o conheceram.
Muitos anos depois de ter saído do colégio, eu e Zeno fomos a Friburgo visitar a cidade que nos acolheu na juventude e onde fizemos tantos amigos. Passamos no bar de seu Mário e lá estava ele, com a mesma postura marcante de outrora. Contou que não tinha os mesmos clientes de outrora e, saudosista, dizia que no passado era melhor, muito melhor.
Soube, há tempos, que seu Mário se foi. Uma pena, aquele homem elegante que preparava as melhores e esmeradas “carapinhadas” do mundo não estar mais aqui junto a seus clientes que tanto o admiravam. Um homem como ele devia viver para sempre.”
Afonso Brito Chermont, aluno do Colégio Nova Friburgo, de 1958 a 1964
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