"No futuro devemos nos dedicar mais ao futebol feminino. Seria importante ver uma liga feminina, é um desejo de minha parte. Sinto-me otimista.” A frase do presidente da Fifa, Joseph Blatter, ainda parece ser uma gota no meio do oceano. No dia 11 de abril de 1983, o extinto Conselho Nacional de Desportos regulamentou o futebol feminino e autorizou o esporte em todos os municípios do Brasil. Trinta anos depois, a teoria não se transformou em prática. A realidade do futebol feminino está longe do otimismo do dirigente e, apesar do sucesso de Marta — eleita cinco vezes a melhor jogadora de futebol do mundo —, Cristiane e companhia, a modalidade sofre com a falta de iniciativa e apoio dos órgãos competentes.
O país ainda não conta com uma liga para organizar um campeonato em nível nacional, e os torneios estaduais são a única alternativa para movimentar o futebol feminino. Mas eles sequer existem em todos os estados. Os salários das melhores atletas dos grandes clubes do país podem ser equiparados aos dos jogadores da quarta divisão no masculino. A maioria, inclusive, nem recebe, vive com a renda de outros empregos e atua apenas pelo prazer de entrar em campo.
Realidade semelhante em Nova Friburgo
Durante muitos anos, o futebol feminino resistiu a todos esses empecilhos em Nova Friburgo. A paixão de um grupo de mulheres pelo esporte motivou a formação de equipes em diversas localidades do município. Renata Fernandes Pinto, 45 anos, foi uma das principais incentivadoras. "Era muito bonito. Os estádios ficavam lotados, reuníamos muita gente. Cada rodada era disputada em um campo diferente da cidade e movimentava as mais variadas regiões”, lembra.
A empresária sempre praticou esportes e na época de escola participava de todas as modalidades, mas nenhuma a encantou tanto quanto o futebol. Em Campo do Coelho, Renata montou uma equipe a partir de uma brincadeira com as amigas. No início dos anos 2000, outros times surgiram e com eles a ideia de organizar um campeonato. "Tínhamos o Nova Friburgo, Banquete, Varginha, Cordoeira, Anchieta e outras duas agremiações que se juntaram ao Campo do Coelho. Os próprios clubes e os técnicos, como o Brasinha, Jarrão e a Liete se reuniam no sindicato para organizar os jogos, os campeonatos, e assim as coisas aconteciam.”
Além de montar uma equipe, o Nova Friburgo Futebol Clube cedeu o Estádio Raul Sertã para as partidas. O título invicto do time verde, vermelho e branco, em uma dessas competições, marcou a trajetória do futebol feminino no município. "Esse foi o apogeu do esporte feminino na cidade. O basquete também era muito forte”, destaca.
Renata recorda um jogo entre o Nova Friburgo e a Seleção do Rio de Janeiro, válido pelo Campeonato Regional, vencido pelas cariocas por 3x2. Na ocasião, a zagueira teve a missão de marcar a atacante Tatá, da Seleção Brasileira. "Lembro-me que ela adiantou a bola e eu disse que de mim não iria passar. Quando ela partiu, acabei forçando demais e rompi o ligamento do joelho”, conta.
Outras inúmeras histórias foram escritas em campeonatos tradicionais, como a Brazilian Cup, em Teresópolis, que não existem mais. "Se conseguirmos o mínimo de incentivo a uma treinadora, como a Liete, e pagar um pouquinho para as meninas, ajudar nas viagens, poderemos reerguer o futebol feminino. Até então fizemos tudo do nosso próprio bolso.”
O esforço valeu uma Bola de Ouro, prêmio que reconhecia os principais desportistas da região. Mas as dificuldades começavam pelo preconceito. Os pais não autorizavam a participação das filhas e a distância entre as meninas e a prática esportiva aumentou. A dedicação aos empregos e o medo de contrair lesões afastaram-nas de vez do futebol. "As equipes eram formadas, mas como não há remuneração fica difícil. A prioridade, até com razão, é o emprego”, reconhece Renata.
A pouca variedade de campos de futebol também é um obstáculo. Renata tenta reunir algumas meninas para marcar um amistoso contra o Banquete, mas o desejo de trazer o jogo para Nova Friburgo esbarra na falta de campos. "Vou tentar marcar em Campo do Coelho, para começar a organizar alguma coisa, e posteriormente desenvolver campeonatos. Falta incentivo até para as próprias meninas. Antigamente nós marcávamos e todas elas se animavam, algo que não acontece hoje. Recentemente marcamos um jogo e não tivemos atletas suficientes. Pelo fato de as meninas não serem remuneradas no futebol, elas logicamente priorizam o trabalho. Muitas não comparecem aos jogos pelo receio de se machucar e serem demitidas.”
Sonho de reativar o futebol feminino
Os empecilhos a nível nacional e local não fazem com que Renata e outras amantes do esporte deixem de sonhar com a volta do futebol feminino. O projeto para a realização de um novo campeonato friburguense está em fase final de elaboração e será levado para a Secretaria Municipal de Esportes em breve. "Por enquanto, vamos jogar entre nós. Quanto estiver tudo pronto para jogar com equipes de outras cidades, vamos procurar a Secretaria para organizar tudo.”
O primeiro passo poderá ser a organização de duas escolinhas de futebol feminino, uma em Campo do Coelho e outra no Cordoeira. O intercâmbio entre elas deverá atrair um número considerável de praticantes, algo que não é difícil na avaliação de Renata. "Os times continuam existindo. Não é difícil reunir as meninas para jogar futebol. Na SEF começamos com quatro meninas e já estamos com 13. Treinamos às quintas, durante uma hora. Estamos incentivando para no futuro montarmos uma escolinha. Seria importante para começarem a jogar. Tenho vontade de reunir todas de novo e jogar um campeonato. Estamos buscando isso. Montei um time na SEF e já recebi ligações de Riograndina, Banquete e outras equipes. A Arena tem um time bem montado também. Acho que ainda podemos sonhar”, acredita.
Liete Ramos e a luta pelo futebol feminino
Ao falar sobre futebol feminino em Nova Friburgo, logo se associa o nome de Liete Ramos. Coordenadora de uma escolinha de futebol no Cordoeira, migrou para o Friburguense após firmar parceria com o clube em 2010 e conseguir um local para treinar, uniformes e um treinador para comandar as meninas voluntariamente na equipe principal e também na escolinha.
Até o início do ano passado Liete comandou o futebol feminino do Tricolor da Serra, que funcionava como um projeto social. O clube apoiou a iniciativa, mas encontrava dificuldades para arcar com as despesas das viagens da equipe. Conseguir os recursos necessários para o projeto tornou-se um desafio constante para a dirigente. Os apelos foram muitos, bem como as tentativas de parceria — porém nenhuma foi suficiente para suprir as necessidades do time.
A parceria foi desfeita e as últimas tentativas de manter as atividades aconteceram no futebol de salão, onde Liete obteve relativo sucesso: o time participou de algumas competições e teve a atleta Liviane Machado Mello, à época com 21 anos, eleita a revelação do 1º Campeonato Intermunicipal de Futsal Feminino, em 2011. Entretanto, os custos das excursões voltaram a ser empecilho e impediram a continuidade do projeto.
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