Lembram-se do Hermenegildo? Pois é ele já estava recuperado de sua cirurgia, curtindo sua ociosidade quando recebeu a visita de um amigo que morava no Lisarb, um país situado num continente próximo à Terra do Nunca; aquela em que o sol nunca se põe, os corruptos nunca são punidos, políticos nunca trabalham, onde nunca as coisas são sérias.
Hermenegildo não via Astrogildo há muitos anos desde que este, ainda jovem, emigrara para o Lisarb atraído pela oferta de empregos e de bons salários. Tinha sido uma aventura, pois pouco se sabia daquele país tão distante, cuja história era desconhecida e nebulosa, no Ocidente.
Astrogildo não mudara muito, apenas seu ar divertido e sorridente se tornara amargo e taciturno, pois viver no Lisarb tinha se tornado muito difícil. Próximo à Terra do Nunca, havia importado todas as mazelas do vizinho e criado as próprias. Hábitos simples como ler jornais, por exemplo, passara a ser complicado já que todos os dias era publicado um escândalo novo e sobrava pouco espaço para informações importantes e relevantes. E o que era pior, os envolvidos eram sempre os mesmos: políticos, empresários, policiais etc.
Segundo Astrogildo dois fatos recentes agitavam Lisarb: o primeiro era o uso acintoso de passagens aéreas pelos deputados e senadores, ministros também, numa farra que incluía parentes e amigos. Todos viajavam gratuitamente, pois a fatura, como sempre, era paga pela população. E tome de viagem nacional e internacional, sempre com a desculpa de que a era para fins educativos. Quando o parente era filha, tinha direito também a telefone celular para se comunicar em caso de doença ou de perigo iminente. Sem falar em saudade que nessa gente é sempre mais aguda, haja visto o valor das contas.
O segundo era o bate-boca, no mais genuíno tipo lavadeira, com todo o respeito a essas profissionais, protagonizado por dois desembargadores da alta corte de Lisarb. Seu presidente, conhecido como o rei dos habeas corpus, principalmente quando se tratava de beneficiar cidadãos bem dotados (de dinheiro é claro) bateu boca com um dos ministros da casa, quando se votava uma questão que envolvia donos de cartórios (lá, cidadãos carentes e merecedores de ajuda). Estes haviam sido incluídos no sistema previdenciário de um estado chamado Anarap, apesar de não serem funcionários públicos. Rolou de tudo, mas dentro do maior respeito, pois ambos só se tratavam de V. Excelência.“V.Excelência está destruindo a credibilidade do judiciário lisarbiense, não está falando com um dos seus capangas”, ao que o outro respondeu: “V. Excelência faz populismo judicial, não tem condições de dar lição a ninguém”. Edificante, segundo Astrogildo, em se tratando da mais alta corte do país.
Hermenegildo não quis decepcionar seu amigo e contou que por aqui as coisas não estavam muito diferentes. Citou que o presidente tratara a crise econômica como uma simples marolinha e que quando soube que ela se tranformara num tsunami, pegara seu chapéu e saíra para mais uma visita internacional. Que tínhamos um movimento chamado MST ou seria MSV (movimento dos sem-vergonhas), que vivia da invasão da propriedade privada e quando repelido assumia o papel de vítima. Já os seguranças dessas fazendas eram questionados pela legalidade de portarem armas de fogo, no desempenho de suas funções. Evidentemente que esse questionamento não valia para os sem-terra.
Finalmente ambos concluíram que era tudo farinha do mesmo saco e foram brindar a visita do amigo com uma cachaça importada do Brasil, presente de Astrogildo para Hermenegildo.
Dr. Max Wolosker Neto, jornalista e médico
Email: woloskerm@gigalink.com.br
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